sábado, 29 de junho de 2013

Protesto reúne um milhão de pessoas no Rio de Janeiro

Após conquista da redução no preço da tarifa do transporte, manifestantes marcham pelo passe livre e por diversas outras causas na capital fluminense

Por Eduardo Araújo de Almeida, Myllena Cunha e Marina Schneider
Colaborou: Francilene Cardoso
do Rio de Janeiro, para Vozes das Comunidades

Cerca de um milhão de pessoas tomaram todas as pistas da Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio de Janeiro, no dia 20 de junho. A manifestação foi convocada oficialmente pelo Fórum de Lutas Contra o Aumento das Passagens, que defende o transporte público gratuito, mas as pessoas que caminharam da igreja da Candelária até a Prefeitura protestavam por diversas causas.

Os cartazes e palavras de ordem iam desde pedidos de mais investimentos do governo em saúde e educação e fim dos gastos com a Copa do Mundo até pedidos de “Fora Cabral”, “Fora Dilma” e “Fora Feliciano”. Moradores de favelas protestaram contra as remoções forçadas pelos governos e a violência policial, ao mesmo tempo em que jovens cantavam o hino nacional enrolados na bandeira do País e com os rostos pintados de verde e amarelo.
Av. Presidente Vargas no dia 20/06/13 |
 Foto: Pablo Vergara

Apesar das múltiplas vozes presentes, a hostilização a partidos políticos ficou ainda mais intensa do que na passeata da segunda-feira anterior (17/06) e se transformou em violência física. Vários militantes de partidos de esquerda e apoiadores que protegiam movimentos sociais organizados foram feridos. Para reprimir a manifestação e expulsar as pessoas das ruas, a polícia também agiu de forma extremamente violenta.

Os tumultos, que pareciam iniciados por pessoas mais interessadas em provocar a polícia e causar uma confusão generalizada, eram respondidos pelas tropas com muitas bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e outras armas ditas não letais. Centenas de manifestantes que tentavam voltar para casa foram perseguidos pelas ruas do Centro e da Lapa. Muitos também foram detidos pela polícia sem qualquer justificativa.


Manifestações se intensificaram em junho 

Desde a sua criação, há oito anos, o Movimento Passe Livre organiza manifestações nas ruas para defender o transporte público como um direito universal. Este ano, Porto Alegre e Natal já tinham sido palcos de protestos contra o aumento da tarifa. No início de junho, no entanto, os protestos organizados pelo movimento – que se declara autônomo, horizontal e apartidário – começaram a tomar força. No dia 13, o quarto protesto do mês de junho organizado pelo MPL na capital paulista foi fortemente reprimido pela Polícia Militar. Cobrindo o protesto, a jornalista Giuliana Vallone, da TV Folha, foi atingida por uma bala de borracha no olho, disparada por um policial do Batalhão de Choque da PM.

A partir daí, a mídia, que até então mantinha a linha de criminalizar movimentos sociais e manifestações, se preocupando mais com o trânsito nos arredores do que com as causas do protesto, resolveu alterar sua linha editorial. Passou a dar bastante espaço para os protestos sempre pacíficos até certo ponto, mas mantém a crítica ao que chama de “vândalos”, “baderneiros” ou “arruaceiros”. Veja mais detalhes sobre a postura da mídia. 

No domingo, 16 de junho, dia do primeiro jogo da Copa das Confederações no estádio do Maracanã, aconteceu uma manifestação organizada pelo grupo Operação Pare o Aumento que tinha como pauta principal o repúdio ao aumento do custo de vida. Os manifestantes também pediam a queda no preço das passagens, criticavam a realização da Copa do Mundo e reivindicavam investimentos em saúde e educação. O protesto também foi marcado pela violência policial. Além do uso de bombas de gás lacrimogêneo e sprays de pimentas, a Tropa de Choque da Polícia Militar atacou os manifestantes que fugiram para o parque da Quinta da Boa Vista, local de lazer de muitas famílias naquela tarde. No dia seguinte, cem mil pessoas tomaram a Avenida Rio Branco, no Centro, em uma manifestação mais diversa e com uma pauta mais ampliada.

“Em São Paulo, convocamos as manifestações com uma reivindicação clara e concreta: revogar o aumento. Se antes isso parecia impossível, provamos que não era e avançamos na luta por aquela que é e sempre foi a nossa bandeira, um transporte verdadeiramente público”, afirmam em nota publicada em 24 de junho. “Questionar os aumentos é questionar a própria lógica da política tarifária, que submete o transporte ao lucro dos empresários, e não às necessidades da população”, criticaram.

No dia manifestação que reuniu um milhão de pessoas no Centro do Rio a TV Globo chegou a ampliar o Jornal Nacional, que ultrapassou o horário da novela das 21h. 

Com mais pessoas nas ruas, diversidade de pautas aumenta

 A energia que motivava o povo a sair às ruas para reivindicar aquilo que cada um acha justo era o ponto que unia as diferentes vozes vindas de muitas partes do estado do Rio de Janeiro. Era nítida aos olhos uma imensa maioria trajada de branco e pintada com as cores da bandeira nacional. Mas, com um olhar um pouco mais atento podia-se distinguir que os grupos eram os mais diversos possíveis. 
Foto: Arthur William

Os cartazes e palavras de ordem iam desde pedidos de mais investimentos em saúde e educação e protestos contra os gastos com a Copa do Mundo até pedidos de “Fora Cabral”, “Fora Dilma” e “Fora Feliciano”. Com uma maioria jovem, a empolgação dos manifestantes aumentava quando convocavam outras pessoas para as passeatas com as palavras de ordem “vem pra rua, vem” e “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”, comum nos estádios de futebol durante jogos da seleção. Também se ouvia com frequência a expressão “o gigante acordou”, usada no passado durante a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que, com a bandeira anticomunista, preparou o terreno para o Golpe de 1964, iniciando um duro período de ditadura militar que duraria 21 anos.

Pipocavam cartolinas com dizeres contrários à PEC 37, Proposta de Emenda à Constituição que pretendia retirar do Ministério Público a função de investigar crimes, arquivada na última terça (25). Muitos pediam também o fim corrupção. Protestos contra o projeto do deputado federal João Campos (PSDB-GO), que quer autorizar psicólogos a atender homossexuais que queiram mudar sua orientação sexual, apelidado de “Projeto da Cura Gay”, também tiveram espaço na manifestação. Uma das evidências de que as vozes eram múltiplas e às vezes até contraditórias era a existência, ao mesmo tempo, de cartazes que criticavam este projeto e pediam a expulsão do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, e, ao mesmo tempo, de outros que tentavam ofender a presidente Dilma Rousseff, chamando-a de “sapatão”.


Apesar da hostilização a movimentos sociais organizados, muitos conseguiram expor suas demandas. Perto da estátua de Zumbi dos Palmares houve uma roda de capoeira e o movimento negro fazia suas reivindicações | Foto: Marina Schneider

A professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense, Wilma Correa, avalia que, no início, o MPL, articulado com alguns partidos de esquerda, convocou manifestações menores, mas que depois o perfil dos protestos mudou e o nível de insatisfação da população fez com que o leque de bandeiras fosse ampliado. “Há desde bandeiras que não são propriamente as abraçadas pela esquerda até as tradicionais bandeiras da esquerda. Mas é importante ver que há uma mobilização, que existe a possibilidade de se reacender o movimento de massas no Brasil”, aponta.

“Sem partido”, mas com violência

Desde a passeata anterior, na segunda-feira (17/06), o “clima antipartido” já era visto com grande preocupação tanto pelos militantes partidários como por todos os de esquerda, mesmo aqueles não filiados. Lá a multidão já se orgulhava por estar nas ruas tão somente pela bandeira do Brasil e gritava “sem violência” quando a polícia partia para cima da massa. Ao mesmo tempo, hostilizavam os partidários gritando palavras de ordem como “sem partido”, pedindo que se abaixassem as bandeiras e afirmando que “o Brasil unido não precisa de partido”.

Até pessoas que levavam bandeiras de
centros acadêmicos foram agredidas
 no dia 20 | Foto: Arthur William



Na manifestação de quinta-feira (20/06), o quadro evoluiu para a violência física. Muitos dos “vermelhos”, pessoas filiadas ou que defendiam os partidos de esquerda, foram severamente atacados por integrantes de frentes que pareciam nazifascistas e policiais infiltrados. Eles já vinham impulsionando a massa para a legitimação da violência contra os setores de esquerda, no interior da passeata e, próximo à Prefeitura, a Polícia Militar começou a agir de forma violenta contra a multidão.

“As bandeiras dos partidos de esquerda e movimentos sociais (como do movimento negro, LGBT e MST) foram abaixadas na base da força, quebradas, rasgadas e algumas queimadas”, relatou o jornalista Arthur Romeu em seu perfil no Facebook. “Segui até a Prefeitura. Em menos de meia hora, militares sobre cavalos e caveirões atacaram aleatoriamente uma massa de centenas de milhares de pessoas com gases e balas de borracha. Como muitos que estavam lá, tive o terrível sentimento de estar sendo encurralado por mais militares que surgiam de ruas transversais”, disse. Ele conseguiu sair e voltar pra casa relativamente pelo Túnel Santa Barbara, que liga a região do Catumbi a Laranjeiras, na Zona Sul.

Violência de Estado assusta no asfalto

Bombas de gás lacrimogêneo, sprays de pimenta, tiros de balas de borracha e cassetetes. Uma bomba de gás chegou a ser atirada dentro do Hospital Municipal Souza Aguiar, que fica próximo ao local da manifestação e estava atendendo feridos. Desde então, todo o tipo de recurso de ataque foi utilizado pelas forças de segurança do Estado no curso da manifestação foram utilizados pelas forças de segurança do Estado durante a manifestação. Houve corre-corre e a manifestação começou a ser dispersada.

A essa altura, a polícia já estava devidamente posicionada em pontos estratégicos do entorno, fechando as ruas perpendiculares e transformando a Avenida Presidente Vargas em um cerco aos manifestantes. O que se viu a partir daí foi um verdadeiro Estado de Sítio, instrumento utilizado por governantes que suspende temporariamente direito e garantias constitucionais dos cidadãos para “defender a ordem pública”. “Muitos foram perseguidos e apanharam da polícia por estarem protegendo escolas e bibliotecas da revolta legítima de muitos cidadãos que estavam no ato”, conta a professora de história e militante do Círculo Palmarino, Natana Magalhães. Em meio a um desespero generalizado, as luzes da Avenida Presidente Vargas foram apagadas, as câmeras da CET-RIO foram desligadas e o sinal da telefonia celular desapareceu.

Foto: Arthur William



O aluno do Curso de Comunicação Popular Avançado do NPC, Júlio Lacerda, morador do morro Jorge Turco, na Zona Norte, relatou, num depoimento em vídeo, como foi detido e espancado por policiais durante a manifestação. Ele alguns e outros manifestantes tentavam impedir que a Biblioteca Darcy Ribeiro, na região da Central do Brasil, fosse depredada quando policiais começaram a persegui-los. Com a aproximação do Batalhão de Choque da PM, muitas pessoas correram, mas Júlio não conseguiu. “Achei que me entregando para a corporação a qual meu pai dedicou 30 anos da vida dele eu seria recebido de outra forma. Eu não tinha uma pedra na mãe, nem armas”, explica. Ele foi jogado no chão e espancado por policiais que não tinham identificação. Depois de dez segundos de spray de pimenta no rosto ele desmaiou e só acordou quando foi colocado dentro do camburão, onde ficou durante uma hora e meia. “O que eu passei eu chamo de tortura”, desabafou. Na 4ª Delegacia de Polícia, Júlio foi liberado.

Dezenas de estudantes se refugiaram na Faculdade Nacional de Direito, no Campo de Santana, e no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, no Largo de São Francisco. Como são áreas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Polícia Militar, que perseguia os manifestantes, não pôde entrar. Por mais paradoxal que possa parecer, os estudantes só saíram das dependências da instituição escoltados por advogados já que se sentiam ameaçados pela truculência e falta de critérios da PM, que levava manifestantes para a delegacia indiscriminadamente.
Bope e "caveirão" no asfalto | Foto: Arthur William




A publicitária Aneci Palheta relatou que, fugindo da brutalidade das polícia ela e três amigos conseguiram a solidariedade de uma senhora na Praça Onze. Ela abriu a casa para que os jovens pudessem se abrigar das forças do Estado, que deveria proteger os manifestantes. “Não me lembro seu nome, apesar de ela ter falado umas três vezes. Lembro do seu rosto e da maneira calma com que falava da truculência policial, já costumeira nas favelas”, lembra. Aneci conta que enquanto se abrigava nesta casa viu a PM avançando contra os poucos manifestantes e moradores de rua que resolveram ajudar na linha de frente. “A pior imagem da noite que vou me lembrar pra sempre será o BOPE caçando pessoas na pelo Centro. Não importava se você estava sentado no meio-fio, procurando transporte ou tentando se abrigar, se estava em grupo ou sozinho, se era gringo, playboy, manifestante. Todos corremos”.


Esta foi apenas uma dentre as diversas experiências de uma noite de terror para muitos jovens. A polícia chegou a fazer perseguições brutais na Lapa, jogando bomba de gás lacrimogênio dentro de bares e do Circo Voador. No dia seguinte, a mídia comercial não relatava nenhum das dezenas de casos como o dela. Foi a partir da experiência compartilhada pela internet que muitos jovens de classe média puderam perceber, no asfalto, a repressão e violência do Estado, através da Polícia Militar, vivida cotidianamente nas favelas. Alguns vídeos podem ser vistos aqui. 

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