terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Sobre o turismo nas favelas e o espetáculo da pobreza

por Ana Beatriz Serpa,
especial para a ANOTA 

Hotel de luxo na África do Sul que emula uma favela
(fonte: www.emoya.co.za)
Esses dias eu li uma matéria sobre um hotel de luxo na África do Sul que reproduziu uma favela sul-africana para oferecer uma “experiência” aos hóspedes. Essa notícia me fez lembrar dos passeios por favelas no Rio de Janeiro e refletir sobre o como às vezes o turismo faz da pobreza uma mercadoria.

O Emoya Luxury Hotel & Spa construiu a Shanty Town, onde os quartos são barracos construídos com o mesmo material que o usado nas favelas reais, e outros elementos de ambientação como lareiras em tambores e lamparinas para oferecer a hóspedes extravagantes a experiência de conhecer uma favela, porém com a segurança e o conforto de um hotel de luxo. 

É um fato que nem sempre turismo e desenvolvimento social andam juntos. Alguns dos atrativos naturais mais belos do planeta estão em regiões com condições de vida precárias. Ainda assim, nem só de natureza vive o turismo em algumas regiões da América Latina ou África, por exemplo.


Turista visitando a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro
(fonte: www.traveltorio.com)
É compreensível que pessoas que vivam em contextos culturais e econômicos distintos queiram aprender mais sobre os povos destes lugares. Conhecer a vida de pessoas que vivem em regiões remotas, rurais, ou socialmente excluídas faz parte dos interesses de quem viaja.

Portanto, é comum que o turismo “empacote” elementos sociais e culturais para mostrar ao turista. Nem sempre é negativo. O problema é a forma como às vezes os passeios por favelas ou povoados pobres é "vendido" e como ele é “consumido” pelos visitantes. Muitas vezes se torna um "espetáculo da pobreza".

A falsa experiência

Quem visita este hotel não está interessado em aprender sobre a população das favelas africanas e sua cultura. Está interessado em contar para os amigos que viveu uma experiência, que na verdade nunca viveu. 
Quem se hospeda em uma das habitações do hotel de luxo africano, está ainda mais longe de viver a experiência "autêntica" anunciada pelo estabelecimento. Ao contrário da realidade, no hotel há acesso a internet e aquecimento em todos os "barracos".

No hotel não é possível experimentar, no sentido de entender, respeitar e lutar por aquelas pessoas. Não se aprende sobre o quanto é difícil viver em um lugar frio sem energia elétrica ou sem saneamento básico.

Safári pelas ruas da Rocinha
(fonte: www.bealocal.com)
Algumas agências apresentam o passeio pelas favelas como uma aventura, quase um "safari". Até os carros utilizados para o transporte remetem aos usados nos parques africanos.

Quem visita uma favela num “safari” também não consegue perceber como é viver num lugar em que os serviços de transporte, saneamento, correios, não chegam. Segundo relatos dos moradores de comunidades, os visitantes chegam, andam em grupo pela rua, fotografam as pessoas como se elas fossem animais, muitas vezes invadem a privacidade fotografando o interior das casas sem autorização.

Por um turismo de experiências reais

O turismo não precisa se limitar ao simples consumo visual do outro, sem nenhuma busca de compreensão. E pior, muitas vezes se aproveitando da disparidade sócio-econômica de uma forma que permite a sua manutenção.


Um dos quartos do  hotel sul-africano reproduzindo um barraco
(fonte: www.emoya.co.za)
O turismo pode trazer oportunidades de emprego e valorização cultural, e não precisa transformar a pobreza ou as condições precárias de vida de um lugar em um espetáculo. É possível aprender muito visitando locais pobres. Sobre o quanto o mundo em que vivemos é injusto, a capacidade de adaptação do ser humano, a criatividade aplicada para vencer adversidades, sobre o quanto a felicidade está nas coisas mais simples.

É possível fazer um turismo crítico, que tenha como objetivo a denúncia de uma situação social com objetivo de mudança. Que desmistifique o senso comum de que os moradores são bandidos, pessoas de baixa índole ou acomodados que não se esforçaram o suficiente para viver melhor.

As pessoas que vivem ali, mesmo em condições de vida tão diferentes das nossas, são pessoas como nós com problemas e momentos felizes, com sonhos e expectativas. Ou que gostam de algumas músicas que nós gostamos, e assistem à mesma novela. Ou seja, que são pessoas comuns! Que trabalham, vão para a escola, fazem planos.

As ruas da falsa favela
(fonte: www.emoya.co.za)
As comunidades que vivem em favelas no Rio de Janeiro ou nas grandes cidades da África do Sul tem muito a mostrar. Para citar apenas um exemplo, foi dos morros do Rio que nasceu e se desenvolveu um dos maiores símbolos culturais nacionais, o samba. 

Arte, gastronomia, música, idéias inovadoras estão entre as opções para o desenvolvimento turístico nestes locais. As histórias de vida das pessoas também.

O turismo em favelas - no Brasil, na África do Sul ou qualquer outro lugar - pode oferecer ao visitante uma experiência no sentido de aprender a respeitar e a lutar pela melhoria de vida destas populações. Desmistificando o senso comum que responsabiliza os próprios moradores pelas condições de falta de educação, emprego a que estão submetidos.


Fotos:
  • Favela Tour na Rocinha fonte: www.traveltorio.com
  • Favela Tour na Rocinha fonte: www.bealocal.com
  • Fotos Divulgação Emoya Luxury Hotel & Spa fonte: www.emoya.co.za

Ana Beatriz Serpa é turismóloga e articulista de turismo e viagens da Agência de Notícias Alternativas
Mantém o blog Planejo Viajar (integrante da rede de blogues da ANOTA)

A DIVULGAÇÃO, CITAÇÃO, CÓPIA E REPRODUÇÃO AMPLA DESTE TEXTO É PERMITIDA E ACONSELHADA, desde que seja dado crédito ao autor original (cite artigo de autoria de Adriano Espíndola Cavalheiro, publicado originalmente pela ANOTA – Agência de Notícias Alternativas)

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