sexta-feira, 28 de junho de 2013

Copa? Falta cozinha, transporte, saúde, educação...

Pesquisador da Fiocruz Alexandre Pessoa analisa matéria em que governo, Fifa e CBF criticam manifestações. Ministro dos Esportes diz que forças de segurança vão garantir a realização dos grandes eventos.


Os pronunciamentos feitos pelos governos, CBF e Fifa revelam, ironicamente, uma espécie de “crise de identidade”, em que a CBF e Fifa incorporam uma postura de governo, e o poder público, por sua vez, se coloca como prestador de serviços a ambas. Entretanto, é perceptível, na retórica de todos, uma grande preocupação, decorrente do cenário atual de mobilizações em todo país, em especial nas cidades onde ocorrerão os jogos. Os megaeventos esportivos já vêm, há algum tempo, sofrendo denúncias de violações de direitos e do interesse público, por parte dos movimentos sociais e de setores da academia, com relação aos seus impactos socioambientais negativos. Dentre eles, destacam-se os altos custos bancados pelo orçamento público, as remoções forçadas de comunidades e as regulamentações arbitrárias para as áreas dos estágios.      

As construções ou reformas dos estádios sofreram sucessivos atrasos e aumentos de custos que favoreceram somente aos empreiteiros. Cabe relembrar que manifestações foram realizadas pelo fato de a Rede Globo ter recebido, do governo do estado do Rio e da prefeitura da cidade, R$ 20 milhões de dinheiro público para organizar o sorteio dos jogos da Copa das Confederações, que durou apenas duas horas. De acordo com o dossiê elaborado pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíada do Rio de Janeiro, estima-se que cerca de 32 mil habitantes da cidade terão de deixar suas casas. A remoção violenta da Aldeia Maracanã teve repercussão nacional e internacional e várias comunidades, a exemplo da Vila Autódromo, sofrem com os riscos de expulsão, mas resistem. Diferentemente da fala do senhor Blater, pessoas estão sendo separadas de forma compulsória de suas relações de vizinhança e solidariedade, trazendo graves impactos à saúde.

A relação de confiança, fruto desta parceria público-privada, resultou na constituição de uma regulamentação, com caráter de exceção de direitos, pela qual grandes áreas onde estão situados os estádios passaram a ser consideradas territórios de segurança, onde não são permitidos a livre expressão nem o direito à manifestação política, mesmo sendo espaços públicos. As restrições de direito chegam ao ponto de torcedores serem impedidos de entrar nos estágios com camisas que apontem um posicionamento crítico frente aos eventos. Estamos presenciando ações de repressão policial nas manifestações, de forma que as cidades se apresentem como meros cartões postais, sem contradições nem conflitos, a fim de se evitarem os transtornos sinalizados pelo Ministro dos Esportes. 

A ordem de “limpeza socioespacial”, de cunho higienista, segue uma concepção de cidade-empresa, de cidade espetáculo, em que o Rio de Janeiro seria apresentado como caso emblemático, na qual a invisibilidade social atua como uma maquiagem. Isso explica o desejo mal sucedido da CBF de que a atenção da população fosse voltada exclusivamente para o futebol, desconsiderando as iniquidades socioambientais, a péssima qualidade das políticas e dos serviços públicos. Os tecnocratas não querem ouvir a insatisfação das ruas e, ao questionarem a importância da indignação popular pelo número de manifestantes, expressam sua miopia política, associada a abstrações ideológicas sobre a suposta “tranquilidade do povo brasileiro”, tese que não se sustenta frente à realidade dos fatos.

Estes grandes empreendimentos seguem as dinâmicas das cidades. Ou seja, se vivemos em cidades partidas, a tendência caminha na intensificação das contradições e conflitos. O que os governos, grandes empresários e investidores acreditavam era que este jogo já estava ganho, entretanto a determinação dos trabalhadores, estudantes e demais oprimidos comprovaram que a “zebra” passou a ser um fenômeno político. E a Copa corre sério risco de tomar um “cartão vermelho”, pois a população urge é por copa, cozinha, moradia digna, saneamento, transporte, saúde e educação. Saudações ecossanitárias!

Link original do artigo aqui

Por Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)


Editado às 22:05 
por Juzerley Santos, dirley@agencianota.com

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