segunda-feira, 27 de agosto de 2012

“Por que defendemos o Wikileaks e Assange”

Por Michael Moore e Oliver Stone, em Outras Palavras

   Passamos nossas carreiras de cineastas sustentando que a mídia norte-americana é frequentemente incapaz de informar os cidadãos sobre as piores ações de nosso governo. Portanto, ficamos profundamente gratos pelas realizações do WikiLeaks, e aplaudimos a decisão do Equador de garantir asilo diplomático a seu fundador, Julian Assange – que agora vive na embaixada equatoriana em Londres.

   O Equador agiu de acordo com importantes princípios dos direitos humanos internacionais. E nada poderia demonstrar quão apropriada foi sua ação quanto a ameaça do governo britânico, de violar um princípio sagrado das relações diplomáticas e invadir a embaixada para prender Assange.

   Desde sua fundação, o WikiLeaks revelou documentos como o filme “Assassinato Colateral”, que mostra a matança aparentemente indiscriminada de civis de Bagdá por um helicóptero Apache, dos Estados Unidos; além de detalhes minuciosos sobre a face verdadeira das guerras contra o Iraque e Afeganistão; a conspiração entre os Estados Unidos e a ditadura do Yemen, para esconder nossa responsabilidade sobre os bombardeios no país; a pressão do governo Obama para que outras nações não processem, por tortura, oficiais da era-Bush; e muito mais.

   Como era de prever, foi feroz a resposta daqueles que preferem que os norte-americanos não saibam dessas coisas. Líderes dos dois partidos chamaram Assange de “terrorista tecnológico”. E a senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que lidera o Comite do Senado sobre Inteligência, exigiu que ele fosse processado pela Lei de Espionagem. A maioria dos norte-americanos, britânicos e suecos não sabe que a Suécia não acusou formalmente Assange por nenhum crime. Ao invés disso, emitiu um mandado de prisão para interrogá-lo sobre as acusações de agressão sexual em 2010.

   Todas essas acusações devem ser cuidadosamente investigadas antes que Assange vá para um país que o tire do alcance do sistema judiciário sueco. Mas são os governos britânico e sueco que atrapalham a investigação, não Assange.

   Autoridades suecas sempre viajaram para outros países para fazer interrogatórios quando necessário, e o fundador do WikiLeaks deixou clara sua disposição de ser interrogado em Londres. Além disso, o governo equatoriano fez uma oferta direta à Suécia, permitindo que Assange seja interrogado dentro de sua embaixada em Londres. Estocolmo recusou as duas propostas.

   Assange também comprometeu-se a viajar para a Suécia imediatamente, caso o governo sueco garanta que não irá extraditá-lo para os Estados Unidos. Autoridades suecas não mostraram interesse em explorar essa proposta, e o ministro de Relações Exteriores, Carl Bildt, declarou inequivocamente a um consultor jurídico de Assange e do WikiLeaks que a Suécia não vai oferecer essa garantia. O governo britânico também teria, de acordo com tratados internacionais, o direito de prevenir a reextradição de Assange da Suécia para os Estados Unidos, mas recusou-se igualmente a garantir que usaria esse poder. As tentativas do Equador para facilitar esse acordo entre os dois governos foram rejeitadas.

   Em conjunto, as ações dos governos britânico e sueco sugerem que sua agenda real é levar Assange à Suécia. Por conta de tratados e outras considerações, ele provavelmente poderia ser mais facilmente extraditado de lá para os Estados Unidos. Assange tem todas as razões para temer esses desdobramentos. O Departamento de Justiça recentemente confirmou que continua a investigar o WikiLeaks, e os documentos do governo australiano de fevereiro passado, recém-divulgados afirmam que “a investigação dos Estados Unidos sobre a possível conduta criminal de Assange está em curso há mais de um ano”. O próprio WikiLeaks publicou emails da Stratfor, uma corporação privada de inteligência, segundo os quais um júri já ouviu uma acusação sigilosa contra Assange. E a história indica que a Suécia iria ceder a qualquer pressão dos Estados Unidos para entregar Assange. Em 2001, o governo sueco entregou à CIA dois egípcios que pediam asilo. A agência norte-americana entregou-os ao regime de Mubarak, que os torturou.

   Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, as consequência repercutirão por anos, em todo o mundo. Assange não é cidadão estadunidense, e nenhuma de suas ações aconteceu em solo norte-americano. Se Washington puder processar um jornalista nessas circunstâncias, os governos da Rússia ou da China poderão, pela mesma lógica, exigir que repórteres estrangeiros em qualquer lugar do mundo sejam extraditados por violar suas leis. Criar esse precedente deveria preocupar profundamente a todos, admiradores do WikiLeaks ou não.

   Conclamamos os povos britânico e sueco a exigir que seus governos respondam algumas questões básicas. Por que as autoridades suecas recusam-se a interrogar Assange em Londres? E por que nenhum dos dois governos pode prometer que Assange não será extraditado para os Estados Unidos? Os cidadãos britânicos e suecos têm uma rara oportunidade de tomar uma posição pela liberdade de expressão, em nome de todo o mundo.

Femen Brazil: ativismo ou marketing?

Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa

   A primeira vez que ouvi falar do Femen, achei-as no mínimo bem-humoradas. As militantes ucranianas utilizavam-se da nudez em protestos públicos. Ganharam a mídia da Ucrânia e a imprensa internacional com facilidade. Em seguida, vieram informações de que ainda que haja mulheres de outros tipos físicos na organização, sãos as loiras, brancas e com corpos “de gostosa” que ficam nuas. Segundo essa informação que chegou, essa “seleção” é uma estratégia (que parece ter funcionado muito bem) para chamar a atenção. Por mais que eu e tantas outras feministas questionássemos e discordássemos desta estratégia, ainda considerávamos que na conjuntura da Ucrânia – em que nenhuma de nós é muito expert – talvez esta linha de atuação fizesse mesmo mais sentido. Respeitar a autonomia dos diferentes grupos de militância em seus locais é sempre uma boa pedida.

   Há alguns meses ouvimos falar que uma brasileira estaria trazendo o Femen para cá. Mantivemos as orelhas em pé, afinal de contas, podia ser um grupo aliado importante em muitas causas. Era preciso esperar para ver. Porém, Sarah Winter, a jovem mulher que começou a despontar na mídia de massas e na blogosfera como “o Femen no Brasil”, não me passou lá muita segurança. Ainda era cedo pra dizer qualquer coisa, para chegar a qualquer conclusão. Esperemos. Então ela começou a se pronunciar sobre vários assuntos, em programas de tevê, reportagens jornalísticas, etc. A quantidade de material reunido, para mim, passou então a ser suficiente para formar uma opinião, que compartilho aqui com vocês.

   Antes de dizer qualquer coisa, quero deixar claro que vou me restringir a falar do Femen enquanto grupo e da atuação de Sarah como “cara do Femen no Brasil”. Não me interessa o que ela fez antes na vida; não me interessa o que ela faz em sua vida pessoal; não estou discutindo sua história, simplesmente porque nem a conheço bem o suficiente para isto, nem tenho provas concretas de nada – apenas especulações e rumores, embora sejam bem preocupantes. Este texto é sobre o Femen Brazil (com zê) e sobre declarações feitas por ela em nome do grupo enquanto representante.

   Toda a fúria, fervor e horror das pessoas ao descobrirem posicionamentos políticos (ainda que passados) de Sarah ligando-a a ideias nazifascistas, infelizmente não chegam aos pés da reação geral sobre declarações racistas e homofóbicas. O que mostra claramente que, mesmo entre a militância feminista, humanitária e de esquerda, no Brasil (com esse), ainda temos um longo caminho a percorrer. Sarah declarou, em entrevista, que “as ucranianas têm genes privilegiados”. Disse, ainda, que muitas destas militantes, “descontentes” com o que homens fazem, “viram lésbicas”. Espero que, como imagino, eu não precise explicar a vocês qual é exatamente o problema nestas afirmações e onde elas são racista, uma, e homofóbica, a outra.

   Algumas pessoas questionam se podemos julgar tais falas de Sarah Winter como representativas do Femen Brazil (com zê), já que, para traçar um paralelo, eu não falo (e nem ninguém) em nome das Blogueiras Feministas. Há uma diferença gigantesca aí, porém. O Femen Brazil é um grupo que ela está começando, sozinha; que tem processo seletivo (ela escolhe quem vai participar), uma estrutura hierarquizada, uma linha de atuação política que já veio pré-determinada pelos moldes do grupo ucraniano. As Blogueiras Feministas são um grupo autogestionado, horizontal, de associação livre, sem qualquer estrutura interna hierárquica. Não existe uma líder das Blogueiras Feministas, e nós somos um grupo que contempla pessoas tão diferentes entre si quanto Hailey Kaas, Luciana Nepomuceno e Lola Aronovich. Os feminismos das Blogueiras Feministas são tão diversos quanto as pessoas que integram o grupo, e há espaço (embora jamais livre de embates e disputas – que bom!) para todos eles. Há quem tire a camiseta na Marcha das Vadias e caminhe ao lado da Tambores de Safo na abertura da Rio+20, mas há quem seja contra este tipo de ação e ache uma melhor estratégia escrever lindamente do cantinho da sua casa. Somos toda válidas, somos todas feministas. É impossível, porém, que o discurso de uma de nós seja o discurso unânime do grupo. O caso do Femen Brazil (com zê) não parece ser o mesmo, nem de longe. Quando Sarah Winter faz, já associada ao grupo, declarações racistas e homofóbicas como estas, é razoável direcionar tais críticas ao incipiente grupo de militância e ação política.

   Outro problema grave do Femen Brazil, na minha opinião, é a tentativa inicial de copiar o molde ucraniano e colar na realidade brasileira. Querer discutir tráfico de pessoas no Brasil sem falar da questão racial, por exemplo, é uma grande roubada, além de reproduzir um outro tipo de racismo – aquele que “apaga” a desigualdade racial e torna a pessoa branca em “pessoa universal”, configurando uma violência simbólica perversa.

   O Femen Brazil, porém, não é o único grupo feminista ao qual tenho críticas quanto à atuação e defesa de certas ideias. Há grupos feministas racistas; há grupos feministas cissexistas; há grupos feministas homofóbicos; há grupos feministas moralistas. Por que então falar do Femen Brazil, em especial? A resposta é simples. Sem sequer existir direito, o Femen Brazil tem tido uma atenção excepcional da mídia e da sociedade brasileira em geral. A estratégia das ucranianas parece ter funcionado neste sentido. O problema é que a mídia não tem se mostrado preparada para tratar este grupo como o que ele realmente é: um grupo feminista, entre tantos grupos, de tantos feminismos.

   O feminismo – e isso que o Femen Brazil (com zê) chama de “neofeminismo” – já existem há muito tempo. Dentro deste espaço de militância, aliás, nada do que o Femen Brazil tem feito pode ser considerado “novo”, “original” ou até mesmo “progressista”. Sua atuação está muito mais para uma ação de marketing (pessoal, talvez) do que para qualquer reivindicação que transforme de fato a sociedade. Isto não é feminismo.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Discurso de Assange na embaixada do Equador em Londres (em Português)

Escrito por Redação

   Falo daqui, porque não posso estar mais perto de vocês. Obrigado por estarem aí.
Obrigado pela coragem de vocês e pela generosidade de espírito.

   Na noite de 4ª-feira, depois dessa embaixada ter recebido uma ameaça, e de a polícia ter cercado o prédio, vocês vieram para cá, no meio da noite, e trouxeram, com vocês, os olhos do mundo.

   Dentro da embaixada, durante a noite, eu ouvia os policiais andando pelas entradas de incêndio do prédio. Mas sabia que, pelo menos, havia testemunhas. Isso, graças a vocês.
Se o Reino Unido não pisoteou as convenções de Viena e outras, foi porque o mundo estava atento e vigilante. E o mundo estava vigilante, porque vocês estavam aqui.

   Por isso, da próxima vez que alguém lhes disser que não vale a pena defender esses direitos tão importantes para nós, lembrem a eles dessa noite de vigília, tarde da noite, na escuridão, à frente da Embaixada do Equador. Façam-nos lembrar como, pela manhã, o sol raiou sobre um mundo diferente, quando uma valente nação latino-americana levantou-se em defesa da justiça.

   Agradeço ao bravo povo do Equador e ao presidente Correa, pela coragem que manifestaram, ao considerar o meu pedido e ao conceder-me asilo político.

   Agradeço também ao governo e ao ministro do Exterior do Equador Ricardo Patiño, que fizeram valer a Constituição do Equador e sua noção de cidadania universal, na consideração que deram ao meu caso.

   E ao povo do Equador, por apoiar e defender sua Constituição. Tenho uma dívida de gratidão também com o pessoal dessa embaixada, cujas famílias vivem em Londres e que me manifestaram gentileza e hospitalidade, apesar das ameaças que todos eles receberam.

   Na próxima 6ª-feira, haverá reunião de emergência dos ministros de Relações Exteriores da América Latina em Washington, DC, para discutir essa nossa situação. Sou extremamente grato ao povo e aos governos de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Peru, Venezuela e a todos os demais países da América Latina que defenderam o direito de asilo.

   Ao povo dos EUA, Reino Unido, Suécia e Austrália, que me deram apoio e força, mesmo quando seus governos me negavam qualquer direito. E às cabeças mais arejadas de todos os governos, que ainda lutam por justiça: o dia de vocês raiará.

   À equipe, apoiadores e fontes de Wikileaks, cuja coragem, compromisso e lealdade foram sem iguais.

   Minha família e meus filhos, que vivem sem pai, perdoem-me. Logo estaremos novamente reunidos.

   Enquanto Wikileaks estiver sob ameaça, ameaçadas estarão também a liberdade de expressão e a saúde de nossas sociedade. Temos de usar esse momento para articular a decisão diante da qual está hoje o governo dos EUA.
   Voltará o governo dos EUA a reafirmar os valores sobre os quais aquela nação foi fundada? Ou o governo dos EUA despencará do precipício, arrastando com ele todos nós, para um mundo perigoso e repressivo, no qual os jornalistas serão para sempre silenciados, pelo medo das perseguições, e os cidadãos serão condenados a sussurrar na escuridão?

   Digo que isso não pode continuar.

   Peço ao presidente Obama que faça a coisa certa.

   Os EUA têm de desistir dessa caça às bruxas contra Wikileaks.

   Os EUA têm de cancelar a investigação pelo FBI, contra Wilileaks.

   Os EUA têm de se comprometer a não perseguir nem processar nosso pessoal, nossa equipe e nossos apoiadores.

   Os EUA têm de prometer, ante o mundo, que nunca mais perseguirão jornalistas exclusivamente porque jornalistas lancem luz sobre crimes cometidos pelos poderosos.

   Têm de ter fim todos os discursos insanos sobre processar empresas de jornalismo, seja Wikileaks ou o New York Times.

   A guerra do governo dos EUA contra os que apitam e lançam sinais de alarme justificado e legítimo tem de acabar.

   Thomas Drake e William Binney e John Kiriakou e tantos outros heroicos guardas avançados, que alertaram para os piores perigos que eles, antes de outros, viram chegar, têm de ser – eles têm de ser! – perdoados e indenizados pelos riscos a que se expuseram e pelos sofrimentos que padeceram, para bem cumprir seu dever, como bons servidores do interesse público.

   E o soldado que permanece em prisão militar em Fort Levenworth, Kansas, que a ONU constatou que viveu sob as mais monstruosas condições de prisão em Quantico, Virginia, e que ainda não foi julgado, mesmo depois de dois anos de prisão, tem de ser posto em liberdade.

   Bradley Manning tem de ser libertado.

   Se Bradley Manning realmente fez o que é acusado de ter feito, então é herói e exemplo para todos nós, e um dos mais importantes prisioneiros políticos do mundo, hoje.

   Bradley Manning tem de ser libertado.

   Na 4ª-feira, Bradley Manning completou 815 dias de prisão sem julgamento. A lei estipula o prazo máximo de 120 dias.

   Na 3ª-feira, meu amigo Nabeel Rajab, presidente do Centro de Direitos Humanos do Bharain foi condenado a três anos de prisão, por um tweet.

   Na 6ª-feira, uma banda russa foi condenada a dois anos de cadeia, por uma performance de conteúdo político.

   Há unidade na opressão. Tem de haver absoluta unidade e absoluta determinação na resposta. Obrigado.