terça-feira, 12 de novembro de 2013

Futebol e Capitalismo: Tudo a ver!

por Teones França, historiador, professor e torcedor fanático do Flamengo

Nos últimos dias temos visto muitos cronistas esportivos, que se esforçam para se apresentarem com um viés politicamente correto, criticarem a exorbitância dos preços dos ingressos para o jogo entre Flamengo e Atlético-PR no Maracanã, pela final de um campeonato nacional, que variam de 250 a 800 Reais. Valor maior do que as entradas para alguns jogos da Copa do Mundo do próximo ano.

Além de questionarem a diretoria do clube pela ganância do retorno financeiro estupendo em um único jogo esses jornalistas defendem a tese de que o Flamengo é um time de massa e, portanto, tem mais possibilidade de sagrar-se campeão caso possa contar com o grito da favela,  o que se tornará impossível pois a maior parte dos seus torcedores - assim como a quase totalidade da população brasileira - não pode se dar ao luxo de gastar essa quantia numa noite apenas.


Certamente que trata-se de um preço astronômico para se assistir a um espetáculo de gosto duvidoso e é bem provável que a ausência da massa deixe nesse jogo o rubro-negro carioca órfão de seu verdadeiro torcedor. Contudo, apesar da postura desses dirigentes ser bastante criticável, será que ela é contraditória e absurda numa sociedade capitalista?

É claro que não. E isso porque no futebol, assim como em qualquer aspecto na nossa sociedade, a regra determinante é a que esteja a serviço da lei da oferta e da procura que, por si, justifica a principal satisfação do capital: o lucro.

Desde que se tornou um esporte de massa no Brasil, a partir da década de 1930, o futebol caminha lado a lado com a dinâmica de nossa economia capitalista. Como esta veio ao longo dos anos num crescente desenvolvimento, o esporte bretão foi cada vez mais se aliando às regras do mercado. Os cartolas dos times mais populares foram percebendo a mina de dinheiro que tinham nas mãos, fazendo com que a ingenuidade ficasse de uma vez por toda no museu do futebol, como característica de seus anos iniciais. E assim caminhamos até a década de 1990 na qual enquanto um restrito grupo de jogadores tornara-se supervalorizado financeiramente o povão progressivamente tornara-se torcedor de Televisão.

A tendência é que a cada ano observemos um fenômeno, como o galês Garath Bale, ser vendido por quase cem milhões de euros para um Real Madrid da vida enquanto que ao torcedor brasileiro mais carente seja destinado apenas os jogos de menor importância ou aqueles em que seu time necessite de seu grito nas arquibancadas para ajudá-lo a evitar uma iminente queda à segunda divisão.

Como explicar (aceitar) que um ser humano valha cem milhões de euros? Ora, um sujeito como esses deixou de ser humano e se tornou uma máquina a qual agrega valor a si própria. Ou seja, o projeto é que cem milhões hoje multiplique-se em outras centenas de milhões amanhã. Sem dúvida que também há os casos de lavagem de dinheiro - também típicos do capitalismo - como os times comprados pelos mafiosos russos ou pelos xeiques árabes. Sendo assim, concluímos que esses times milionários não são montados por paixões clubísticas mas sim como investimentos que deverão render valor bem superior a partir da sua realização. Em resumo, c se tornando c'.

 A ida do povão para casa ver seu time pela TV é algo que avança em nosso país a partir da década de 1990 porque é o momento em que as emissoras, especialmente a Rede Globo, se lançam com mais avidez nesse mercado por compreenderem que o retorno da audiência e, logo, do lucro é líquido e certo. Desde então vimos surgir um novo - e inusitado - horário de futebol: as quartas-feiras depois da novela das nove horas! Estádios cheios nesse horário somente em jogos de grande apelo ou naqueles em que é feito preço promocional. E é pela mesma razão que Corinthians e Flamengo aparecem dia sim, outro também na telinha da Globo.

 Ora, diante disso, quando cronistas esportivos vêm defender a redução do preço do ingresso (cinquenta Reais é barato?) para que o grito da favela seja ouvido nos estádios só podemos considerar hipocrisia ou ingenuidade. É a grana que move esse esporte há bastante tempo aqui e no mundo e isso é algo extremamente compreensível tendo em vista estarmos no contexto de uma sociedade capitalista. (De acordo com a sessão nostálgica de um jornal de grande circulação, há cinquenta anos Garrincha buscava acertar sua ida para o Milan, da Itália, pois precisava "ganhar dinheiro").

 É exemplar que tal debate esteja acontecendo justamente em torno do Flamengo, time em que no início deste ano um grupo de empresários - "bem-sucedidos" em seus ramos, de acordo com a imprensa - assumiu a diretoria do clube e foram saudados de forma festiva por praticamente todos os cronistas esportivos do país pois, segundo estes, a solução para a administração caótica do rubro-negro estava por vir já que esses ótimos empreendedores saberiam muito bem como dirigir o clube da massa. Se há contradição no caso atual dos ingressos inflacionados não é dos que assumiram a diretoria flamenguista, mas sim dos cronistas porque a lógica que está sendo empregada no aumento dos preços é a lógica do mercado, a mesma que é posta em prática, de forma implacável, nas diversas empresas pelo mundo afora.

Queremos crer que tenha sido apenas ingenuidade quando a maioria dos jornalistas aplaudiram de forma efusiva a posse desses empresários na diretoria do clube carioca como se fossem empreendedores altruístas, melhor dizendo, empresários que vieram fazer o bem para o clube do qual são torcedores. Uma coisa é certa, no mundo do capital não cabe espaço para altruístas, pois a lógica capitalista é perversa e, portanto, contrária a altruísmos.

Aos que defendem que os bons tempos do futebol brasileiro eram aqueles em que o dinheiro não era determinante, fica o alerta: esse saudosismo é algo que só pode ser imputado ao nosso futebol nas primeiras décadas do século passado e, apesar disso, aquele era um período em que esse esporte nos times de ponta era praticado majoritariamente por setores da elite branca. Quando o futebol tornou-se de massa virou alvo da sanha do capital, assim como tudo e qualquer coisa que possa ser precificável.

Conheça ou outros textos de Teones França no blog HISTÓRIA E MUNDO DO TRABALHO

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