quinta-feira, 31 de outubro de 2013

E a saúde dos trabalhadores do Serviço Público Federal, como vai?

por Carla Sene, de Brasília
especial para a ANOTA

Servidores públicos federais realizam manifestações em
defesa de direitos e por melhorias nas condições de trabalho
que lhes causam muitas doenças laborais (Foto: EBC)
Na semana em que comemora-se o dia do servidor público [28/10] os diversos órgãos do serviço público federal promovem eventos em alusão à data. Alguns poucos eventos são voltados para os direitos dos trabalhadores, a maioria acontece em um contexto de despolitização e contribuem para mascarar o que estes trabalhadores vivenciam no cotidiano institucional. Para iniciar o debate é preciso ter clareza que falar em saúde do servidor nada mais é do que falar no direito à saúde!

Porém, no atual contexto é difícil falar de saúde do trabalhador, porque sempre se fala de doença e não de saúde. Isso porque o trabalho pode ser fonte de criatividade e felicidade, mas na sociedade capitalista é também fonte de adoecimento. E o Serviço Público Federal não está alheio a esse cenário!


Não há uma pesquisa mais completa e efetiva sobre a saúde dos servidores públicos federais, apenas estudos pontuais de um órgão ou outro. No entanto, para aqueles que trabalham nas instituições é alarmante o adoecimento da categoria, especialmente o adoecimento mental. As hipóteses pra isso incluem o assédio moral, a desvalorização do trabalho e do trabalhador, a sobrecarga, a má gestão e a dificuldade que as chefias têm em fazer gestão de pessoas, dentre tantas outras.

Evidencia-se a urgência em promover a saúde dos trabalhadores do Serviço Público Federal através de ações integradas. Para isso é necessário pensar a saúde na sua relação com o trabalho e fazer uma reflexão de que saúde se está falando.

A Constituição Federal de 1988 (CF-88) traz a saúde como um direito, que deve ser garantida através de ações do Estado, ou seja, através de políticas sociais e econômicas. Além disso, coloca a necessidade de ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Essa definição é fruto do movimento pela Reforma Sanitária, ressalta a concepção ampliada de saúde, valoriza e centra as ações no contexto de vida e nas condições sociais. Dessa maneira, o paradigma de saúde integral rompe com a definição de saúde como ausência de doença e representa um avanço e um marco para a saúde pública brasileira.

Após a CF-88 é promulgada a Lei Orgânica da Saúde (LOS), Lei nº 8.080/1990, que regulamenta o Sistema Único de Saúde - SUS e traz algumas definições importantes para a saúde do trabalhador, compreendendo esta como um campo da saúde pública. Nesse sentido ressalta ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, de promoção e proteção da saúde dos trabalhadores e recuperação para aqueles submetidos a agravos advindos das condições de trabalho. Essa concepção coloca em letra de lei o papel e a importância da organização dos trabalhadores, inclusive o papel dos sindicatos na construção e fiscalização dessa política.

Somente em 2004 é instituída a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, que define que a saúde dos trabalhadores é condicionada por fatores sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais relacionadas ao perfil de produção e consumo e também fala dos fatores de risco – físicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos. Nota-se que esta política tem como finalidade garantir que o trabalho – que é base da organização social e um direito fundamental – seja realizado em condições dignas. Ou seja, que traga realização para os trabalhadores e trabalhadoras e não traga prejuízos e danos para a sua saúde.

Com base nessa definição fica claro que os determinantes e condicionantes da saúde do trabalhador são multifatoriais, vão desde fatores de risco físico a fatores econômicos e sociais. Ao mesmo tempo em que há um relativo avanço nas políticas e no debate neste campo, os trabalhadores vivenciam o agravamento das condições de trabalho com impacto direto na saúde.  

Isso ocorre de forma mais intensa a partir do processo de Reestruturação Produtiva e mais recentemente, na década de 90, com a Reforma do Estado e com as políticas de ajuste neoliberal. Como consequência os trabalhadores deparam-se com precarização, desemprego, aumento do mercado informal, flexibilização das relações de trabalho e restrição de direitos.  

Vale ressaltar que o Serviço Público Federal não passa a mercê disso. Um exemplo são as diferentes formas de contrato e de acesso ao serviço público, evitando a todo custo  ter servidor de carreira. É melhor pro Estado manter trabalhadores precarizados, pois é mais barato! Além disso, já ocorreram emendas constitucionais que afetam diretamente a aposentadoria dos servidores, sendo um evidente ataque aos direitos até então garantidos, numa clara satanização da aposentadoria como fonte de despesas e não como um direito. Nessa perspectiva a saúde do trabalhador é mais um direito garantido em lei e negado na prática cotidiana dos órgãos públicos federais.

Em 2010, especificamente para a saúde dos servidores públicos federais foi pensado o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS) pelo Ministério do Planejamento (MPOG). O SIASS é um subsistema que deve coordenar ações e programas, com três principais frentes de trabalho: a Vigilância em Saúde, a Perícia Oficial em Saúde e as Ações de Prevenção, Promoção e Acompanhamento.

Porém, questiona-se por que um sistema voltado para a saúde foi construído por um órgão que não é de saúde e por que criou-se uma política – a Política de Atenção a Saúde do Servidor (PASS) - paralela a Política de Saúde do Trabalhador. Evidencia-se um caráter de despolitização no SIASS, pois não coloca os trabalhadores como partícipes do processo de sua criação e nem tampouco fortalece e legitima os espaços de participação dos trabalhadores. Ao mesmo tempo não retoma o acúmulo do debate sobre saúde do trabalhador, tratando a Política de Atenção a Saúde do Servidor como algo completamente novo.

O que o SIASS tem como avanço é que não restringe a saúde do servidor a ações meramente curativas e tem como foco a promoção da saúde. Além disso, por ser um subsistema integrado legitima as ações como um direito e assim, estas ações de saúde deixariam de ficar a cargo de cada órgão. 

No entanto, poucos são os órgãos que têm equipe de saúde constituída para essa finalidade e o aumento do número de pessoas adoecidas e com conflitos gerados no ambiente de trabalho é crescente e alarmante. Fica claro que uma proposta de saúde para os servidores públicos federais só vai funcionar se estes trabalhadores tiverem no controle, ou seja, o SIASS só vai acontecer efetivamente se todos os servidores de todos os órgãos federais se organizarem e cobrarem os seus direitos!

A história tem nos mostrado que o governo não governa para os trabalhadores e sendo o patrão, não garantirá o direito a saúde dos trabalhadores do Serviço Público Federal se estes não se organizarem. Somente com o protagonismo dos trabalhadores é que se efetiva essa proposta. Caso contrário, a saúde do servidor pode se transformar em mero instrumento de controle do Estado!
“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores.” 
(Karl Marx)
Carla Sene é assistente social e servidora pública no Ministério da Saúde e na Secretaria de Saúde do Distrito Federal

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