por Jorge Henrique, de Brasília
A criação da EBSERH é mais um projeto neoliberal para a política de privatização da Saúde Pública e da precarização do trabalhador nesse setor.
A reforma do Estado brasileiro e a precarização do trabalho em Saúde
A reforma do Estado brasileiro e a precarização do trabalho em Saúde
A década de 90 foi um momento de polarização das forças sociais que disputavam um projeto hegemônico para a saúde no Brasil. Como pano de fundo desse cenário, havia um processo de recomposição do capital a nível internacional, alimentado pela crise estrutural do capitalismo do último quarto do século XX. A contrarreforma dos estados nacionais combinou desregulamentação e liberalização financeira com a redução do Estado social a níveis toleráveis ao capital, com a garantia do controle da pobreza e da retirada dos direitos dos trabalhadores.
No Brasil, esse processo se inicia com Collor de Melo, mesmo com sua incapacidade de aglutinar forças políticas devido à crise que paralisou seu governo até sua cassação. Mas é com FHC (primeiramente ministro do governo Itamar Franco e logo depois Presidente) que houve uma articulação entre as forças conservadoras em torno da contrarreforma do Estado.
Em agosto de 1995, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional n° 6, proposta por FHC, substituindo o conceito de empresa nacional por empresa constituída sob as leis brasileiras, dando a essas o direito de serem concessionárias dos monopólios estatais.
Naquele momento o Brasil já presenciava o agigantamento do setor privado na saúde, com o SUS financiando a rede pública de saúde básica e de alta complexidade, e expandindo o setor de média complexidade para a iniciativa privada através dos convênios e planos de saúde. Vale ressaltar que mesmo na alta complexidade o incentivo à iniciativa privada já existia, com o SUS alugando leitos ociosos de hospitais privados.
Em 1998, ainda sob FHC, o então Ministério da Administração e Reforma do Estado, na gestão de Bresser Pereira, executa uma reforma na qual praticamente todos os setores de infraestrutura são privatizados ou terceirizados. Substitui-se o conceito de direito social pelo o de “serviços sociais e científicos”, com o entendimento que os serviços de infraestrutura não seriam mais obrigações exclusivas do Estado. A intenção era transformar todas as instituições da área da saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia em Organizações Sociais através da LEI Nº 9.637 de 1998.
Com estas formas de organização, os mesmos mecanismos utilizados no setor privado foram sendo transferidos para os serviços públicos: terceirização, administração voltada para a obtenção de resultados (metas), contratação através do regime CLT, flexibilização dos direitos trabalhistas, possibilidade de captação de recursos a partir da mercantilização dos serviços públicos e da financeirização dos recursos públicos.
A face das privatizações no governo PT
Quem pensou na possibilidade do Governo Lula reverter tal processo, viu a reprodução de elementos da gestão anterior, muitas vezes de forma velada, mas com muito mais ênfase. Em, por exemplo, 2007 foi apresentado ao Congresso Nacional o PL 92/07 que criava as Fundações Estatais de Direito Privado – FEDP.
Uma análise minuciosa sobre as FEDPs permite identificar que o tipo de propriedade, a forma de administração, a forma de controle e a gestão de trabalho no sérvio público, reproduzem a mesma lógica desempenhada pelas Organizações Sociais criadas no governo FHC.
Análises encontradas sobre o trabalho em saúde nos anos 1990, já apontavam uma crise no setor. Os dados dos anos 1990 demonstram a dificuldade dos profissionais de saúde em conseguir emprego formal. Na década 1990 o ritmo de crescimento do emprego na área foi de 2% ao ano, nível inferior ao se comparar com os anos 1980 em que a média foi de 5% ao ano. Nos anos 1990, a quantidade de admissão anual de médicos, dentistas e farmacêuticos ficou estagnada, e neste mesmo período, a contratação do pessoal de enfermagem diminuiu pela metade.
Outro estudo interessante é o Boletim Trabalho na Saúde, realizado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), divulgado em dezembro de 2009. Neste estudo é feita uma avaliação das relações de trabalho na saúde durante 10 anos (de 1998 a 2008), nas principais regiões metropolitanas do Brasil.
O estudo mostra que durante os anos de 1998 a 2008 houve um crescimento de 44% de ocupados em serviços de saúde, e que a grande maioria destes trabalhadores 80% é assalariada e que destes, 50% era de assalariados em serviços de saúde privado.
Nestes 10 anos o rendimento médio pago por hora teve decréscimo em praticamente todas as regiões metropolitanas avaliadas, com destaque para São Paulo (-32,9%), Recife (-25%) e Salvador (-21,3%).
Vale ressaltar, que na maioria das regiões os grandes culpados pela retração dos salários no setor saúde foi a iniciativa privada, que registrou em São Paulo redução de 32%. Além disso, o estudo mostrou que o trabalhador do setor privado recebia, em média, o equivalente a 68,6% do rendimento do servidor público da saúde. No entanto, o sucateamento do serviço público também é evidente, como no caso de Belo Horizonte que apresentou queda do rendimento de 23,3%.
Através do estudo, foi possível perceber uma importante ampliação das jornadas de trabalho, pois é muito comum na área de saúde encontrar trabalhadores que possuem mais de um emprego, já que os baixos salários forçam a busca por rendimentos complementares.
A reprodução da lógica privatista nos serviços públicos de saúde mostra, de forma categórica, que estas medidas tinham como propósito reduzir os custos salariais e cortar direitos garantidos na constituição. Aí estão os fatos concretos: com as privatizações, a terceirização e a flexibilização dos direitos trabalhistas, seria impossível o trabalho na saúde não avançar no sentido da precarização.
EBSERH: um novo projeto para uma velha política de ataque à Saúde Pública
Em 31 de Dezembro de 2011 o governo Dilma envia ao Congresso Nacional a Medida Provisória 520, que é derrubada por obstrução de votação no Senado. Logo após, o governo reapresenta a proposta, desta vez, como Projeto de Lei. Ao final de 2011 é aprovada a LEI 12.550/12, criando a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. A EBSERH reedita uma formulação que tem como princípios os mesmos já identificados com as Organizações Sociais e as Fundações Estatais de Direito Privado.
A principal justificativa para criação da Empresa apresentada pelo Governo Federal seria a necessidade de “regularizar” a situação dos funcionários terceirizados dos Hospitais Universitários em todo o país (26 mil trabalhadores no total). No entanto, a proposta apresentada intensifica a lógica de precarização do trabalho no serviço público e na saúde, pois, os contratos serão realizados via CLT por tempo determinado, acabando com a estabilidade no emprego e implementando a lógica da rotatividade.
O decreto presidencial nº 7.661/2011 assinado pela Presidente Dilma, que cria o Estatuto da Empresa, não prevê qualquer vantagem peculiar, como plano de cargos e salários, capacitação, plano de saúde, previdência, etc., para seus servidores.
À contratação de pessoal técnico e administrativo, a EBSERH, amparada pelas leis 8.745/93 e 4.748/03, poderá contratar pessoal por tempo determinado, mediante processo administrativo simplificado. Caso o trabalhador seja demitido antes do término do contrato temporário, receberá apenas metade das indenizações e após o término do contrato, não fará jus à indenização trabalhista prevista na CLT.
A gestão hospitalar pela EBSERH significa o oposto do que têm defendido e reivindicado os trabalhadores da saúde: mais concursos públicos e um plano de cargos, carreiras e salários para combater a precarização do trabalho. É um duro ataque ao que estabelece o Regime Jurídico Único (RJU), previsto no artigo 39 da Constituição Federal para contratação de pessoal na administração direta, autarquias e fundações mantidas com recursos do orçamento público.
A tendência com estas medidas, é que deixe de existir concursos públicos para os trabalhadores do setor e a contratação passe a ser feita através de processos seletivos e o trabalhador seja vinculado ao regime CLT, o que significa o fim da estabilidade no emprego, salários diferenciados, divisão dos trabalhadores, dificuldade em lutar por direitos, além de permitir o empreguismo e o favorecimento político.
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