quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Movimento Negro na época de Chumbo da Ditadura Militar

por Max Laureano, da Redação

Participantes da marcha do Movimento Negro Unificado
 em São Paulo, novembro de 1979
Escrever sobre o tema movimento negro na época da Ditadura militar é algo espinhoso. De cara esbarra-se com a seguinte afirmação “o movimento popular como um todo foi esmagado, no período da Ditadura. Ponto final”. Estou pensando aqui nas pessoas que conheço como referência hoje, como ativista negro. Artistas, intelectuais, militantes. Parece que a questão da luta democrática, contra o regime da ditadura civil militar era tarefa primeira (quando e onde se podia atuar) e que um grande manto invisibilizador, digamos assim, fora posto sobre as lutas ditas "identitárias", como a questão da mulher, do negro.

Mas será que sob a crosta paralisante da violência de Estado declarado não havia formas diferentes de luta? De mobilizar contra o Racismo?

Para o jornalista e escritor Thaelman Carlos M. de Almeida a questão do movimento negro, praticamente, permeia quase toda nossa história. Sob o AI-5, a questão raça não entrou diretamente. Havia negros dos dois lados da luta. À direita, alguns famosos e muito combatidos como o Pelé, o caso do Wilson Simonal, maestro Erlon Chaves, muito influente nos festivais da Globo, que eliminavam sem qualquer critério, que não fosse o dos interesses da ditadura. E à esquerda também, o próprio Carlos Marighella,o inimigo público da ditadura era negro, sua mãe negra e seu pai italiano.

Mas, a questão ideológica esquerda/direita, proletário/burguês- se sobrepunha a todas outras. Porque a ditadura também tinha base na classe média que ascendeu com o milagre econômico e na elite da classe trabalhadora, que se urbanizou. Vide os sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, a maior e mais importante cidade da América do Sul, sempre foi dirigido por pelegos de direita, a CGT, hoje Força Sindical. Dessas lutas é que surgiram as novas divisões sociais, utilizadas atualmente. Com a urbanidade ganharam força a luta das mulheres, os negros, estudantes, gays, sem-terra, sem teto, enfim uma compartimentação, que se trouxe mais visibilidade para essas lutas, muitas vezes beneficia a classe dirigente de ocasião.

Para a jornalista Niara de Oliveira é um fato importante não haver referências anteriores à década de 70 sobre a luta dos negros e negras na resistência à ditadura militar, assim como poucos são os registros de militantes negros nas organizações clandestinas e/ou da luta armada. Se não há referências do movimento negro imaginem da luta das mulheres negras… Ao escrever sobre o tema, em relação às mulheres negras, no período ela diz: “É, pois é. O ponto mais delicado, o setor mais oprimido da luta na esquerda (não vou usar o termo “mais baixo na escala da opressão porque não curto a expressão) se lutou contra a ditadura ou não deixou registros ou ninguém pesquisou ainda.”  Ela explica ser essa uma das  importantes razões para a abertura dos arquivos secretos da ditadura civil-militar.

Pois além de aumentar a necessidade de punição para as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado, seria vital para contar esse período da história que continua envolto numa névoa densa, num país que estranhamente tem quase mil escolas com nomes de presidentes da ditadura.

Um trecho da obra Fala Crioulo, de Haroldo Costa, onde o autor alertava: “cada vez que há um endurecimento, um fechamento político, o negro é atingido diretamente porque todas as suas reivindicações particulares, a exposição de suas ânsias, a valorização de sua história, desde que não sejam feitas segundo os ditames oficiais, cheiram à contestação subversiva”.

Um dos marcos dessa luta, para o professor da UERJ, Spirito Santo, foi o guerrilheiro Oswaldão, um dos 69 guerrilheiros que tombaram na selva amazônica do Pará, lutando contra as tropas da Ditadura – no episódio que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia (1972-1975). Foi o maior e mais organizado movimento de resistência contra o regime militar no Brasil. Para combatê-lo, as Forças Armadas mobilizaram um efetivo de 5 mil homens (algumas fontes falam em até 20 mil soldados!). Os guerrilheiros, porém, mais habituados à selva – estavam instalados ali desde 1967 – deram muito trabalho e impuseram duas derrotas humilhantes ao Governo, antes de serem eliminados.

Segundo Bruno Ribeiro, do blog “A Trincheira” O povo da região dizia também que o guerrilheiro tinha o poder de se transformar em pedra, árvore a até mesmo em bicho, para afugentar ou despistar o inimigo. Estas histórias, naturalmente, eram frutos da imaginação dos moradores da área.

O professor Spirito Santo lembra que Oswaldão comandou um dos dois batalhões, talvez tenha sido – não se esclarece isto ainda direito – o principal comandante militar daquela guerrilha trágica. Mas ao mesmo tempo, questiona o fato desse personagem histórico, negro, seja pouco conhecido e pouco estudado, em comparação a tantos outros, brancos. Ele ironicamente afirma: “Eu sei que você vai dizer que nunca ouviu falar deste cara, que não foi do seu tempo ou que você não acompanhava direito esta história de guerrilha do Araguaia. Mas considere apenas o seguinte: Com esta bagagem histórica aí, como é que uma pessoa ia poder ficar invisível e anônima a este ponto? Não se trata de entender como – e porque – a memória de figuras gigantes de nossa história como esta,  ficam sempre na margem entre a fama e a invisibilidade.

Já Bruno Ribeiro afirma que “Apesar das inúmeras tentativas de apagar o nome de Osvaldão da história, ele figura ao lado de Zumbi, Solano Trindade, Patrice Lumumba, Martin Luther King e de tantos outros heróis negros que dedicaram suas vidas à uma causa coletiva..”

Outro grupo que recentemente voltou a cena, ao ser estudado a reorganização do movimento negro brasileiro após o golpe de 64, foi o Grupo Palmares de Porto Alegre, entre 1971 e 1978. Este foi responsável pela proposição do dia 20 de novembro, como alternativa as comemorações do 13 de maio.

Segundo o pesquisador Deivison Moacir Cezar de Campos, Palmares em sua tese de mestrado “O GRUPO PALMARES (1971-1978): UM MOVIMENTO NEGRO DE SUBVERSÃO E RESISTÊNCIA PELA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO ESPAÇO SOCIAL E SIMBÓLICO”, o grupo também foi um dos precursores do chamado movimento negro moderno, que se caracterizou pela construção de uma nova identidade negra, referenciada em aspectos locais e globais. Organizado por quatro jovens negros universitários em 1971, o grupo se formou com a proposta de uma revisão da história do Brasil para desvelar a “tradição de resistência”, a fim de recuperar a auto-estima étnica e, com isso, tirar a maioria dos negros do imobilismo político e da acomodação social aos espaços concedidos por uma Sociedade, para o grupo,desigual..

Uma das formas de lutar marcante dos outros movimentos sociais surgidos no período posterior a guerrilha foi a atuação na questão cultural, através de grupos que lidavam com a questão negra através da música, como o Ilê Aiye, na Bahia, e as equipes de Soul, como a equipe Soul Grand Prix, no Rio de Janeiro. Estes buscavam agir dentro da esfera legal, apesar da resistência imposta pela ditadura. Para a pesquisadora e professora Maria Paula do Nascimento Araújo, em sua tese de mestrado “os movimentos de esquerda, após o fracasso da ditadura, buscaram uma nova inserção na vida política, forçando a legalidade e procurando espaços abertos para atuação.”

O pesquisador Deivison Moacir em sua tese de mestrado lembra o Ilê Aiyê, bloco surgido em 1974, foi a primeira agremiação a levar as ruas referências diretas ao “mundo negro”, que vinha sendo reinventado desde o início da década. Antonio Carlos dos Santos Vovô, um dos fundadores do confirma a repressão as iniciativas negras como uma tendência nacional no período. 
Os negros não assumiam sua condição racial e havia o medo de serem tachados de comunistas. Esse medo era generalizado no meio da liderança negra da época. O Brasil, em 1974, vivia num clima de terror extremado, e qualquer manifestação cultural ou política que fosse diferente e viesse de encontro a padrões estabelecidos da ordem vigente, era cuidadosamente vigiada e duramente reprimida. Portanto devemos entender o medo dos primeiros militantes como manifestações da falta de garantia individual/social reinante na época e produzida por órgãos de segurança que acusavam ou denominavam qualquer atitude política de oposição como sendo "coisa de comunista". A partir desta perspectiva podemos inferir que os negros que se reuniam para brincar/fazer o carnaval no Ilê Aiyê tinham consciência de que também estavam fazendo política, além de cultura. (consultado em www. ileaiye.com.br/historia.htm) 
Assim como no movimento baiano, afirma o pesquisador, representantes da Black Rio foram detidos pela polícia política da ditadura militar “o Dops acreditava que por trás da organização dos bailes havia grupos revolucionários de esquerda [...] o despontar do orgulho negro incomodava o poder...”, lembra-se Don Filó, líder da equipe Soul Grand Prix.

Espero que este pequeno texto tenha contribuído no debate e na pesquisa sobre o tema. A ideia era fazer um resgaste e questionamento sobre como o movimento negro e seus personagens atuaram ou foram impedidos de atuar na época da ditadura militar, e como se deram formas alternativas de lutas.  Deixando claro que aceitamos contribuições e  criticas ao que foi escrito. 

(Maximiano Laureano da Silva)

Um comentário:

  1. Na guerrilha, ao lado de Osvaldão, militava Dinalva Conceição, a Dina, que assim como Osvaldo se tornou mito na região, sendo os dois guerrilheiros mais lembrados até hoje. A mulher mais respeitada pela população e temida pelos militares. Dina tinha uma força notável, exímia atiradora, foi a única mulher a comandar um destacamento. Diziam que ela se transformava em borboleta, e conseguia fugir das emboscadas do exército. Baiana, negra, durante a faculdade seu apelido era "preta".

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