por Teones França,
historiador e professor da rede estadual do RJ
historiador e professor da rede estadual do RJ
O PMDB surgiu no início da década de 1980 como extensão do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sigla esta que agregava os que se opunham ao regime militar pela via legal. Hoje é uma legenda que expressa muito bem o caráter clientelista da maioria dos partidos no Brasil que se mantêm na base do toma-á-dá-cá. Em nível nacional abriga nomes como José Sarney, Renan Calheiros e Michel Temer. No Rio de Janeiro é a sigla dos governantes Eduardo Paes e Sergio Cabral e contam em seus governos com o apoio do PT, partido da presidente, numa relação tão simbiótica que já se especula que o governador ganhará um ministério em Brasília no futuro próximo.
Uma das grandes glórias que o PMDB reivindica para si é a de ter sido um dos principais articuladores na feitura da atual Constituição brasileira, promulgada em 1988 e personificada na figura daquele que até hoje é a maior expressão desse partido: Ulysses Guimarães. Tal Carta está completando 25 anos, o que para muitos intelectuais é a constatação do amadurecimento da democracia em nosso país, pois nela constariam avanços democráticos importantes, como o direito de greve.
Entretanto, nessas duas décadas e meia contabilizamos muitos movimentos grevistas que tiveram suas manifestações surpreendidas por golpes de cassetetes desferidos por policiais sob a falaciosa justificativa da manutenção da ordem (leia-se ordem do capital). É comum também nessas ocasiões, além da violência física, o corte de ponto dos grevistas, muitas das vezes com o beneplácito da Justiça do Trabalho. Na verdade isso corrobora o que já sabemos há muito tempo: muitas das leis contidas na legislação brasileira são meramente letras mortas.
No recente movimento grevista dos professores do Rio de Janeiro temos visto – assim como já havíamos visto nas manifestações de junho passado – mais um ato desse espetáculo arbitrário que em nada deixa a dever aos anos de chumbo da ditadura militar.
Um observador estrangeiro que sentou em frente à sua TV nos últimos dias para assistir ao Jornal Nacional e, na sequência de uma matéria otimista sobre as bodas de prata da Constituição com a nossa sociedade, certamente estarreceu-se com as imagens que apresentavam policiais fardados despejando gás de pimenta nos olhos de professores, como se estivessem borrifando água em simples plantas, e utilizando seus cassetetes tal qual a espancar assassinos cruéis. Inevitavelmente questionou: o que esse povo festeja no vigésimo quinto aniversário de uma Constituição se ela não garante o direito de greve e manifestação aos trabalhadores?
De fato, Cabral e Paes (nome que soa bastante irônico neste momento) desempenham tão bem o papel de carrascos dos movimentos sociais que deixam os Bolsonaros pouco saudosos dos generais de outrora.
Felizmente, professores e funcionários das escolas públicas do Rio de Janeiro, não se curvando a esses carrascos, demonstram que têm a exata noção de que somente a luta muda a vida e estão nos dando uma verdadeira aula, não em salas fechadas, mas nas ruas, nas praças, no peito e na raça.
Àqueles que questionam esse movimento com a argumentação de que ele prejudica os alunos, cabe dizer que essa greve, além de já ter se configurado em um grande ensinamento prático à juventude indicando que no Brasil direitos só são conquistados na marra, ela é fruto da falta de estrutura e descaso do poder público com a educação e seus servidores.
Ela (a greve) é, inclusive, resultado da falta de resignação dos educadores com os prejuízos sofridos pelos alunos diariamente nas escolas ao longo de tantos (des)governos. Prejuízos que foram agravados nas gestões de Paes e Cabral.
É difícil que consideremos como ganho para o alunado ter um professor especializado em um conteúdo lhe ministrando aulas de outras matérias para as quais ele não foi preparado. No estado, isso já acontece há anos com o Projeto Autonomia que transfere dinheiro público para os cofres da Fundação Roberto Marinho (!).
Pouco provável também é que ideias advindas do mundo fabril, como os modelos de gestão baseados na lógica da produtividade, possam funcionar de maneira adequada dentro das escolas.
Contudo, tiranos não costumam fazer autocrítica e creem que o mais fácil é se eximir da culpa apontando o dedo acusatório para outrem. Assim, os governos vêm culpando há tempos os professores pelo fracasso da educação no país. Nesse bojo é que se divulgam as políticas baseadas na meritocracia, defendidas pelos governantes do Rio de Janeiro, já espalhadas pelo país afora e que só recebe elogios da mídia ligada ao capital.
O cerne dessas politicas é perverso: a ideia liberal de que o mais bem preparado deve ganhar mais, sem que antes discutamos as condições prévias desiguais de preparo para cada um.
Acontece que isso é apenas uma nuvem de fumaça já que a maioria da nossa sociedade aceita bem a ideia de que o melhor deve sempre sobressair e uma parte da categoria veja nisso uma chance imediata de melhorar seu nível salarial. Porém, é uma lógica falsa já que é improvável que os educadores de gabinete dos governos consigam aferir de maneira profícua os méritos de cada professor a partir do resultado de poucas avaliações realizadas pelos alunos. Outros tantos fatores (situação socioeconômica, acúmulo prévio de conhecimentos, estrutura escolar etc.) interferem no bom ou mau desempenho nessas avaliações e, portanto, a conduta do professor em sala de aula é apenas mais um elemento.
Na realidade, mérito é algo que professores e funcionários de escolas públicas no Brasil têm de sobra, pois além de serem concursados, enfrentam condições de trabalho precárias e nem por isso se eximem em superar os obstáculos, que são muitos.
Paes e Cabral, por sua vez, é que demonstram não terem mérito algum para ocuparem o cargo em que se encontram. Mau uso da verba pública, utilização do patrimônio público em benefício próprio, favorecimento a compadres são exemplos de conduta pouco ilibada associada a eles pelos próprios veículos de imprensa que hoje os defendem. No meio de um movimento grevista legítimo, entre a persuasão e a força optam sempre pela segunda, assim como fizeram e fazem qualquer ditador comum.
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