Entrevista com Adriano Espíndola Cavalheiro, advogado dos estudantes e presidente da Comissão de Apoio de Movimentos Sociais da OAB-Uberaba
Por Leone Rangel, de Uberaba (MG)
Especial para a Anota
Dr. Adriano Espíndola Cavalheiro, advogado foi entrevistado direto de Uberaba |
A Turma Recursal do Juizado Especial da Justiça Federal de Uberlândia, rejeitou recurso do Ministério Público Federal, confirmando assim decisão de primeira instância que absolveu lideranças estudantis da UFTM. O Ministério Público Federal queria que quatro estudantes fossem condenados a pena de prisão, pelo movimento estudantil ter transcrito, quando da greve estudantil, com ocupação de Centro Educacional no de 2014, poesias nos muros da Universidade e rebatizado as salas com nomes de poetas e de ícones do movimento social, o que para o representante do Ministério Público não passava de pichações e, portanto, dano ao patrimônio público.
Conversamos com Adriano Espíndola Cavalheiro, advogado responsável pela defesa dos estudantes e presidente da Comissão de Apoio de Movimentos Sociais da OAB de Uberaba, que também é colaborador da AnoTa, para melhor entender o caso. Confira:
1. Dr. Adriano, a Justiça Federal confirmou a absolvição de XXXXXX que vinham sendo processados por pichações na UFTM. O que o senhor tem a dizer sobre o caso?
Antes de tudo, é preciso salientar que está em curso em nosso país, nos últimos cinco anos, o qual recrudesceu sob o atual governo federal, um movimento de criminalização dos movimentos sociais, o qual se traduz em violentas atuações das PM’s contra mobilizações de estudantes e trabalhadores, em prisões de ativistas, na tipificação de mobilizações do movimento social como ato de terrorismo e, ainda, em processos como o presente, onde o Ministério Público busca jogar na cadeia aqueles que lutam contra os desmontes dos direitos sociais, da saúde, da educação, da previdência e do direito do trabalho.
Considero a absolvição destes jovens uma tremenda vitória de todos os que lutam e defendem a democracia em nosso país e não concordam com um estado policialesco e parcial, em especial porque foi uma decisão proferida praticamente no mesmo momento em que o STF, em mais uma decisão que revela o caráter daquele tribunal, manteve Renan Calheiros na presidência do Senado Federal, por conveniência política...
2. Mas doutor Adriano, o senhor considera correto que se deprede patrimônio público?
Claro que não, mas não podemos perder de vista que os maiores depredadores do patrimônio público de nosso país estão ai, não apenas livres e ilesos acharcando toda noção de verdadeira justiça, mas também no comando de prefeituras, governos estaduais e governo federal e, também, é claro, encastelados no Poder Legislativo de todas instâncias e também, infelizmente, em parte do Judiciário.
No caso concreto, ou seja, dos estudantes da UFTM, da própria perícia realizada pelo Polícia Federal é possível concluir que não houve depredação ao Patrimônio Público, mas intervenções artísticas da juventude em espaços vazios. O que estudantes fizeram foram transcrever em paredes internas da Universidade poesias e palavras de ordem. Rebatizaram salas do Centro Educacional da UFTM com nomes de poetas, poetisas e ícones do movimento social. Sinceramente, considerar isso como pichação e, pior, como crime é de uma pequenez medonha, mas totalmente sintonizada com os designíos daqueles que realmente dilapidam o patrimônio de país. Além disso, nem a Polícia Federal e nem o Ministério Público identificaram os responsáveis pela suposta depredação.
3. Como assim, os estudantes estavam sendo processadas por ato de outras pessoas?
Sim é o que chamo de estado policialesco! O que tivemos neste caso foram quatro jovens processados por supostamente liderarem o movimento estudantil da UFTM, sendo que sequer essa liderança foi provada! Eles não foram processados por terem feito qualquer pichação, mas sim por serem lideranças daqueles que supostamente, na linguagem do Ministério Público Federal, picharam a Universidade. É a aplicação da absurda teoria do domínio do fato, pela qual o acusado é penalizado por supostamente, pelo cargo que ocupa, ter conhecimento dos fatos imputados como criminosos. Assim, para o MPF se os acusados eram lideranças estudantis, obrigatoriamente deveriam ter conhecimento e participação de todos os atos praticados pelos estudantes durante a greve, o que, com todo respeito, fere de morte o principio constitucional da presunção de inocência, além de ser um procedimento que nunca deveria ser utilizado num país que se pretende democrático.
4. Doutor, o processo acabou ou pode haver mais recursos?
Como todos sabem, sou advogado trabalhista/previdencialista e sindical. Atuei neste caso, gratuitamente, tanto a pedido do Sinte-med (Sindicato dos Trabalhadores Técnicos Administrativos da UFTM), do qual era advogado na época do início do processo, mas também por compor a Comissão de Apoio de Movimentos Sociais da OAB de Uberaba, sendo que aproveito para agradecer o apoio que os membros da comissão nos tem dado em casos como este. Ainda que o presente processo tenha sido iniciativa de apenas um procurador, sendo que reconheço que legalmente ele tem autonomia para movê-lo, sinceramente, espero que o MPF repense seu modo de agir em casos como o presente. Quando estudantes ou trabalhadores estão em luta, com greves, trancamento de rodovias, ocupações urbanas ou rurais, eles não estão cometendo crimes. Assim como o Ministério Público faz em seu cotidiano, os estudantes e trabalhadores, utilizando outros meios, estão defendendo o interesse da sociedade e, como tal, precisam de apoio e não de processos. Creio que não cabem mais recursos, vou conferir com colegas especialistas, mas se houver recurso estes estudantes podem contar com apoio de nossa Comissão.
Veja abaixo a decisão que inocentou os estudantes em grau recursal:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE UBERLÂNDIA
Processo N° 0012895-77.2014.4.01.3802 - 1ª TURMA RECURSAL: RELATOR-2
Nº de registro e-CVD 02403.2016.00743803.1.00314/00001
No (s) processo (s) abaixo relacionado(s):
RECURSO Nº : 12895-77.2014.4.01.3802
RECORRENTE : Ministério Público Federal
RECORRIDO : HPOJ e Outros
A Exma. Sra. Juíza exarou:
EMENTA-VOTO
1- Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra decisão que rejeitou a denúncia pelo crime do art. 65 da Lei nº 9.605/98, por ausência de justa causa, com fulcro no art. 395, III, do CPP.
Segundo o recorrente, os indícios de autoria restaram demonstrados pelos documentos acostados aos autos em que foram identificados os acusados como os principais responsáveis pelo movimento estudantil que organizou a ocupação e manifestações no prédio da UFTM.
2- Falta de justa causa: Infelizmente, não há como dar guarida ao recurso ministerial, não obstante entenda este juízo que os fatos narrados no feito beiram ao vandalismo e denotam abuso do poder de manifestação, desvirtuando-se da finalidade democrática assegurada pela Constituição na permissão de realização de tal ato. Portanto, lamentavelmente, a decisão deve ser mantida, conforme se segue.
A decisão recorrida fundamentou a rejeição da denúncia oral nos seguintes termos (negritei):
Para a instauração de ação penal (com o recebimento da denúncia correspondente) é necessário que haja justa causa, ou seja, a existência de um mínimo de suporte fático comprobatório da autoria e da materialidade. Esse substrato mínimo deve ser demonstrado pela peça acusatória, precedida da investigação necessária, descabendo transferir para a esfera do processo penal o ônus ou encargo da apuração do fato delituoso e do agente responsável.
No caso em exame, a ausência absoluta de indícios de autoria em relação aos denunciados impede a deflagração da persecução penal.
Examinando detidamente os documentos que instruem a presente Ação Penal e o Inquérito Policial n. 0027/2014-4-DPF/URA/MG, vejo que os elementos colhidos não demonstram indícios mínimos que levem a um juízo de probabilidade quanto à autoria delitiva imputada aos acusados.
No relatório policial final, a Delegada de Polícia esclareceu que “não foi possível auferirse com precisão quais foram os estudantes responsáveis pelos desenhos, palavras de ordem e demais formas de expressão acostados nas paredes da Universidade “(f. 204).
Com efeito, o fato de os acusados eventualmente serem líderes de movimento estudantil não pode levar à ilação de que foram os responsáveis pelo delito de pichação noticiado na denúncia, o que restou completamente afastado no relatório policial final (fl. 204).
Ademais, malgrado os crimes de autoria coletiva, em regra, não exijam descrições minuciosas das atuações individuais dos acusados, é imprescindível uma plausibilidade na imputação hábil a demonstrar um liame entre o agir e a suposta prática delituosa, isto é, ainda que de forma sucinta, cada conduta deve ser individualizada, o que, contudo, não restou atendido nos presentes autos. (Nesse sentido: RHC 201402312925, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:22/10/2014 ..DTPB)
Ante o exposto, não havendo lastro probatório mínimo da autoria delitiva, não merece qualquer reparo a decisão primeva.
3- Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Recurso não provido.
4- Sem custas e honorários, nos termos do art. 4º, III, da Lei 9.289/96.
5- Sem acórdão – julgamento nos termos do art. 82, § 5º, da Lei 9.099/99.
Uberlândia, data da sessão.
GENEVIÈVE GROSSI ORSI CLEMENTI
Relatora da Turma Recursal de Uberlândia-MG
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