sábado, 12 de outubro de 2013

Diretor de escola estadual no RJ: mero agente do governo. Se não é eleito, não me representa!

por Teones França
historiador e professor da rede estadual do RJ

         Há pouco mais de quinze anos, quando me tornei docente da Rede Estadual de Educação RJ, ainda pude acompanhar uma época em que se elegiam os diretores das escolas e estes eram representantes legítimos de suas comunidades. Foi uma época que teve início com o período de redemocratização pelo qual passava o país após o fim da ditadura militar, mas que, infelizmente, durou muito pouco.

         A partir da gestão de Anthony Garotinho esses ares mais democráticos foram sendo soprados para bem longe do estado e as eleições para diretores foram suspensas. Esse processo tem se alastrado rapidamente para outras regiões do país. Em Niterói, por exemplo, a chefia das escolas recém-inauguradas pela prefeitura é entregue a indicados do Executivo. Matéria publicada na última semana pelo jornal Folha de São Paulo mostrou que um em cada cinco diretores de escolas públicas no Brasil é posto no cargo por indicação de políticos.

         A recente greve dos profissionais de ensino da rede estadual no Rio de Janeiro - que tem dentre sua pauta de reivindicação a exigência de eleições diretas para a direção dos estabelecimentos escolares - reacende a necessidade desse debate. A sociedade, assim como as próprias escolas, precisam priorizar esse debate, mesmo porque uma das funções primordiais do gestor de escola pública é definir a melhor alocação de verbas, que, em última instância, pertencem ao conjunto da população.

         Antes de analisarmos as atitudes arbitrárias tomadas por governo e diretores no decorrer dessa greve, cabe fazer algumas perguntas para aqueles que vivenciam o cotidiano de uma escola pública, tenha ela diretor eleito pela comunidade ou não: existe, de fato, uma gestão democrática no seu ambiente escolar? O uso que é feito da verba pública no estabelecimento é decidido de maneira conjunta ou apenas pelo diretor? O Projeto Político Pedagógico implementado - se é que há - pela escola é amplamente discutido pelos seus profissionais? Existe autonomia para os docentes ministrarem suas aulas da maneira que considerarem mais adequada ou são orientados (autoritariamente) a seguir currículos pré-estabelecidos pelo governo? Os estudantes são incentivados a se organizarem autonomamente? 

         Acredito que um número ínfimo das escolas públicas em nosso país podem responder positivamente a maioria das perguntas acima. Certamente, esse quantitativo diminuirá bastante se considerarmos apenas a rede estadual do Rio de Janeiro. Sendo assim, creio que já passou da hora de debatermos o real papel de um diretor de escola da rede pública de ensino, dado que a maioria se perpetua no cargo e transforma as escolas em verdadeiros clubes de amigos onde a norma seguida geralmente é: aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei.

         Numa luta coletiva, como é a greve, onde projetos de educação distintos se põem a nu, conseguimos separar nitidamente o joio do trigo dentro de uma escola. A que foi deflagrada pelos professores e funcionários do estado no dia 8 de agosto fez surgir certas peculiaridades que merecem ser trazidas à tona para que tenhamos mais elementos disponíveis ao realizarmos esse debate.

         Desde o início do movimento os diretores recebem as ordens do governo por e-mail!!! E respondem, diariamente - e como cordeiros -, a perguntas do tipo: quantos profissionais estão em greve, quais são os seus nomes etc. Assim, não se furtam a entregar ao inimigo (não deles), numa bandeja, a cabeça daqueles que seriam seus colegas de trabalho.

Uma das últimas ordens, ainda mais absurda, não foi dada de modo virtual, mas numa reunião entre representantes governistas e diretores na qual estes foram orientados a pôr no Mapa de Controle de Frequência o código de falta aos que aderem à greve e exercem, assim, um direito que lhes seria concedido pela atual Constituição. A consequência direta de tal atitude será a exoneração por abandono de emprego quando se atingir dez faltas consecutivas. Aos que não estão informados sobre os detalhes dessa categoria, o código de greve foi conquistado por esses trabalhadores numa greve, ainda no primeiro governo Brizola, justamente para evitar qualquer problema desse tipo no exercício da greve.

         Ao que tudo indica, os diretores estão cumprindo à risca tal determinação e para isso, mais uma vez, utilizam-se do falso argumento de que caso não a cumpram serão eles os exonerados. Ademais, não teriam culpa alguma nessa atitude já que apenas cumprem ordens de seus superiores.

Cabe lembrar que muitos nazistas ao final da 2a guerra tentaram ser absolvidos dos seus crimes justificando-os exatamente com esse argumento: apenas cumpriam ordens. Em atitude parecida, os que dirigem as escolas estaduais atualmente - desconheço exceções - acatam cegamente as ordens (que nem chegam às escolas por escrito e assinadas!!!!!), descendo sobre as costas dos profissionais o chicote que lhes é dado pelo Sr. Cabral, submetidos que estão à lógica do faremos tudo que o mestre mandar.

         Como explicar atitudes como estas contra supostos colegas de trabalho? Se ficássemos apenas na superfície, poderíamos acreditar que trata-se do medo de serem exonerados e perderem os trinta dinheiro que ganham de gratificação. Mas, é mais profundo que isso. O cerne da questão é que as direções de escolas, especialmente as da rede estadual RJ, deixaram há muito de serem representantes das suas comunidades para tornarem-se representantes do governo. São testas de ferro, capatazes que cumprem com determinação as ordens de seus superiores.

         É por isso que diminui em profusão as eleições diretas para a escolha de diretores de escolas, pois estes transformaram-se em cargos de confiança dos governantes. Tenho convicção de que esses dirigentes escolares são hoje pontos de apoio do governo espalhados nas milhares escolas (estaduais ou não) contribuindo de maneira categórica para o desmonte da escola pública, para a implementação das políticas privatizantes e da desqualificação da educação. O retorno às eleições pode amenizar esse quadro já que haverá o comprometimento prévio do eleito com a comunidade escolar.

         Atualmente no estado são escolhidos por méritos (!) dentro da lógica da política meritocrática de Cabral. Cabe então a indagação: se um diretor de escola estadual no RJ é escolhido por seus próprios méritos a partir de um concurso, será que é permitido a alguém que seja questionador das políticas anti-educacionais desses governantes tornar-se diretor, mesmo que seja um ótimo educador e gestor comprovado em tal concurso? É óbvio que não. Conclusão: dentro dessa lógica, o principal mérito que um aspirante ao cargo de diretor de escola estadual deve ter é o de ser subserviente ao governo de plantão.

         Diante do exposto, creio que não há mais a menor possibilidade de continuarmos a considerar um diretor de escola como um profissional da educação. Ele deixou de ser um integrante dessa categoria e passou para o outro lado da trincheira exercendo a tarefa de gestor do caos implementado pelos governantes dentro da escola pública. Se assim o é, os que compõe o exército dos trabalhadores em educação devem compreender que além do combate ao inimigo externo à escola terão também que combater o inimigo interno. Portanto, na sua luta em defesa de uma educação pública de qualidade e de melhores condições de trabalho terão que batalhar em duas frentes e, da mesma forma que apontam a artilharia de seu exército para os governos, terão que igualmente apontá-la para o Gabinete do Diretor.

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