por Teones França,
historiador e professor da rede estadual do RJ
historiador e professor da rede estadual do RJ
Há pouco mais de quinze anos, quando me
tornei docente da Rede Estadual de Educação RJ, ainda pude acompanhar uma época
em que se elegiam os diretores das escolas e estes eram representantes
legítimos de suas comunidades. Foi uma época que teve início com o período de
redemocratização pelo qual passava o país após o fim da ditadura militar, mas
que, infelizmente, durou muito pouco.
A partir da gestão de Anthony Garotinho
esses ares mais democráticos foram sendo soprados para bem longe do estado e as
eleições para diretores foram suspensas. Esse processo tem se alastrado
rapidamente para outras regiões do país. Em Niterói, por exemplo, a chefia das
escolas recém-inauguradas pela prefeitura é entregue a indicados do Executivo.
Matéria publicada na última semana pelo jornal Folha de São Paulo mostrou que
um em cada cinco diretores de escolas públicas no Brasil é posto no cargo por
indicação de políticos.
A recente greve dos profissionais de ensino da rede estadual
no Rio de Janeiro - que tem dentre sua pauta de reivindicação a exigência de
eleições diretas para a direção dos estabelecimentos escolares - reacende a
necessidade desse debate. A sociedade, assim como as próprias escolas, precisam
priorizar esse debate, mesmo porque uma das funções primordiais do gestor de
escola pública é definir a melhor alocação de verbas, que, em última instância,
pertencem ao conjunto da população.
Antes de analisarmos as atitudes
arbitrárias tomadas por governo e diretores no decorrer dessa greve, cabe fazer
algumas perguntas para aqueles que vivenciam o cotidiano de uma escola pública,
tenha ela diretor eleito pela comunidade ou não: existe, de fato, uma gestão
democrática no seu ambiente escolar? O uso que é feito da verba pública no
estabelecimento é decidido de maneira conjunta ou apenas pelo diretor? O
Projeto Político Pedagógico implementado - se é que há - pela escola é
amplamente discutido pelos seus profissionais? Existe autonomia para os
docentes ministrarem suas aulas da maneira que considerarem mais adequada ou
são orientados (autoritariamente) a seguir currículos pré-estabelecidos pelo
governo? Os estudantes são incentivados a se organizarem autonomamente?
Acredito que um número ínfimo das
escolas públicas em nosso país podem responder positivamente a maioria das
perguntas acima. Certamente, esse quantitativo diminuirá bastante se
considerarmos apenas a rede estadual do Rio de Janeiro. Sendo assim, creio que
já passou da hora de debatermos o real papel de um diretor de escola da rede
pública de ensino, dado que a maioria se perpetua no cargo e transforma as
escolas em verdadeiros clubes de amigos onde a norma seguida geralmente é: aos
amigos, tudo, aos inimigos, a lei.
Numa luta coletiva, como é a greve,
onde projetos de educação distintos se põem a nu, conseguimos separar
nitidamente o joio do trigo dentro de uma escola. A que foi deflagrada pelos
professores e funcionários do estado no dia 8 de agosto fez surgir certas
peculiaridades que merecem ser trazidas à tona para que tenhamos mais elementos
disponíveis ao realizarmos esse debate.
Desde o início do movimento os
diretores recebem as ordens do governo por e-mail!!! E respondem, diariamente -
e como cordeiros -, a perguntas do tipo: quantos profissionais estão em greve,
quais são os seus nomes etc. Assim, não se furtam a entregar ao inimigo (não
deles), numa bandeja, a cabeça daqueles que seriam seus colegas de trabalho.
Uma
das últimas ordens, ainda mais absurda, não foi dada de modo virtual, mas numa
reunião entre representantes governistas e diretores na qual estes foram
orientados a pôr no Mapa de Controle de Frequência o código de falta aos que
aderem à greve e exercem, assim, um direito que lhes seria concedido pela atual
Constituição. A consequência direta de tal atitude será a exoneração por
abandono de emprego quando se atingir dez faltas consecutivas. Aos que não
estão informados sobre os detalhes dessa categoria, o código de greve foi
conquistado por esses trabalhadores numa greve, ainda no primeiro governo
Brizola, justamente para evitar qualquer problema desse tipo no exercício da
greve.
Ao que tudo indica, os diretores estão
cumprindo à risca tal determinação e para isso, mais uma vez, utilizam-se do
falso argumento de que caso não a cumpram serão eles os exonerados. Ademais,
não teriam culpa alguma nessa atitude já que apenas cumprem ordens de seus
superiores.
Cabe
lembrar que muitos nazistas ao final da 2a guerra tentaram ser absolvidos dos
seus crimes justificando-os exatamente com esse argumento: apenas cumpriam
ordens. Em atitude parecida, os que dirigem as escolas estaduais atualmente -
desconheço exceções - acatam cegamente as ordens (que nem chegam às escolas por
escrito e assinadas!!!!!), descendo sobre as costas dos profissionais o chicote
que lhes é dado pelo Sr. Cabral, submetidos que estão à lógica do faremos tudo
que o mestre mandar.
Como explicar atitudes como estas
contra supostos colegas de trabalho? Se ficássemos apenas na superfície,
poderíamos acreditar que trata-se do medo de serem exonerados e perderem os
trinta dinheiro que ganham de gratificação. Mas, é mais profundo que isso. O
cerne da questão é que as direções de escolas, especialmente as da rede
estadual RJ, deixaram há muito de serem representantes das suas comunidades
para tornarem-se representantes do governo. São testas de ferro, capatazes que
cumprem com determinação as ordens de seus superiores.
É por isso que diminui em profusão as
eleições diretas para a escolha de diretores de escolas, pois estes
transformaram-se em cargos de confiança dos governantes. Tenho convicção de que
esses dirigentes escolares são hoje pontos de apoio do governo espalhados nas
milhares escolas (estaduais ou não) contribuindo de maneira categórica para o
desmonte da escola pública, para a implementação das políticas privatizantes e
da desqualificação da educação. O retorno às eleições pode amenizar esse quadro
já que haverá o comprometimento prévio do eleito com a comunidade escolar.
Atualmente no estado são escolhidos por
méritos (!) dentro da lógica da política meritocrática de Cabral. Cabe então a
indagação: se um diretor de escola estadual no RJ é escolhido por seus próprios
méritos a partir de um concurso, será que é permitido a alguém que seja
questionador das políticas anti-educacionais desses governantes tornar-se
diretor, mesmo que seja um ótimo educador e gestor comprovado em tal concurso?
É óbvio que não. Conclusão: dentro dessa lógica, o principal mérito que um
aspirante ao cargo de diretor de escola estadual deve ter é o de ser
subserviente ao governo de plantão.
Diante do exposto, creio que não há
mais a menor possibilidade de continuarmos a considerar um diretor de escola
como um profissional da educação. Ele deixou de ser um integrante dessa
categoria e passou para o outro lado da trincheira exercendo a tarefa de gestor
do caos implementado pelos governantes dentro da escola pública. Se assim o é,
os que compõe o exército dos trabalhadores em educação devem compreender que
além do combate ao inimigo externo à escola terão também que combater o inimigo
interno. Portanto, na sua luta em defesa de uma educação pública de qualidade e
de melhores condições de trabalho terão que batalhar em duas frentes e, da
mesma forma que apontam a artilharia de seu exército para os governos, terão
que igualmente apontá-la para o Gabinete do Diretor.
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