segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Verão, inflação e 'isoporzinho'. Agora o brasileiro vai a rua protestar contra a cerveja cara

por Almir Cezar, da sucursal Brasília

Banner convocando o 1º evento 'Isoporzinho' em Niterói.
Contra alta dos preços surge mais um protesto alternativo.
Falaremos aqui sobre o verão. Não do calor e da diversão das férias no campo ou na praia com a família e amigos, mas os preços. O quão alto se tornam nesse período produtos banais, como bebidas e alimentos, a chamada “inflação das férias”, ou de verão - que é acima da média, até para quem não viaja. E nesse ano esta foi ainda pior, idas aos bares e boates vêm ficando proibitivos. Porém, ao contrário do passado, que o consumidor só reclamava ou apenas deixava de comprar, o que por si só possivelmente não resolveria o problema, agora por várias cidades as pessoas vêm se juntando para realizar um tipo novo de protesto, o 'isoporzinho',  em que cada um leva o que vai tomar "fugindo" ou se manifestando contra o abusivo dos preços.

Com o começo do ano, além do pagamento dos impostos anuais, como IPTU, IPVA, e itens tradicionais dessa época, como matrículas e material escolar, etc, todos reajustados, os trabalhadores precisam se deparar com os custos das férias, que estão acima da inflação. Essa alta não é impressão dos consumidores no verão. Itens tradicionais do verão, como guloseimas, lazer e viagens, subiram mais que a inflação oficial, o IPCA, entre 2012 e 2013. Um outro índice de inflação, o INPC, que mede preços para famílias com renda até cinco salários mínimo, essa semana foi divulgado de que ficou em 0,63% em janeiro deste ano. A inflação dos produtos alimentícios ficou em 0,86%, enquanto os não alimentícios tiveram alta de preços de 0,53%. E com a proximidade do carnaval a situação provavelmente ficará ainda complicada para os veranistas e foliões. 

A causa da inflação dos itens de férias e do verão pode ser medida no preço do coco, um item típico do período, que "inflaciona" nessa época. Há poucos meses nos pontos mais baratos estava a R$3,00 agora não menos de R$3,50 ou mesmo a R$4,00. O problema não é no campo - para especialistas, o coco fica quase 15 vezes mais caro até chegar à praia. Os produtores, curiosamente não vêem boa parte desse lucro da cadeia e estão sofrendo com o preço baixo. Quem acaba ficando com a maior parte do lucro são as outras partes dessa cadeia, tanto o intermediário quanto o comerciante. Os intermediários, que levam o coco da fazenda até os centros de distribuição, ganham de três a quatro vezes em cima do produtor.

Já o ambulante ou o dono do supermercado chegam a dobrar o preço que pagam ao intermediário. Os ambulantes vendem cocos nas cidades de veraneio por R$ 3,50, cada unidade rende apenas R$ 1 ou R$1,50 de lucro. É pouco, mas o pessoal ainda reclama e sempre pede um desconto. Mas, agora, com as férias e o verão, as vendas ficam boas, e os vendedores podem subir o preço. A situação é pior com o preço das cervejas, petiscos ou entrada em boates e danceterias. Alguns lugares se tornaram proibitivos há quatro, cinco anos. Para piorar, muitos viajantes recém-regressados do exterior, na Europa ou EUA chegaram a gastar menos em bebidas, refeições ou lazer do que no Brasil, mesmo pagando em euro ou dólar. 

No Brasil em geral, estamos acostumados a reclamar e continuar frequentando as casas que têm preços altos. O valor que, até 2010, era gasto por quatro pessoas numa boate hoje mal dá para pagar os ingressos de duas. E o pior é que salário não acompanhou. Contudo, surgiu uma recente insatisfação do consumidor, provocada pela ao dólar caro, à inflação batendo à porta e a desaceleração da economia trazendo o medo do desemprego, como também as manifestações nas ruas (que já retomaram desde o começo do ano), mudaram o perfil de consumo de viagens e lazer nessas férias de verão, fazendo adiar compras em busca de liquidações ou procurando ir as lojas ainda mais à frente, num período em que os preços possam estar mais baratos. 

Não à toa a inflação oficial, medida pelo IPCA, divulgado na sexta-feira (07) pelo IBGE, ficou em 0,55% em janeiro deste ano, taxa inferior a dezembro de 2013, que chegou a alcançou quase 1%. O índice também foi inferior a janeiro do ano passado. É importe isso, porque o governo usa o IPCA como referência para verificar se a meta estabelecida para a inflação está sendo cumprida, e é referência para o Banco Central elevar a taxa de juros básica. Em 12 meses, a inflação acumula taxa de 5,59%, portanto dentro da meta do governo federal, que varia de 2,5% a 6,5%.  Apesar da possível queda nas vendas, os preços caíram pouco ou nada. 

Essa inflação persistente nos preços das mercadorias de verão, férias e lazer, deve-se que as coisas na realidade não funcionam "lei da oferta e da demanda", nem na maioria das vezes - negando o que tanto fala o senso comum em Economia. Essa lei, que supostamente determinaria os preços, diz que quando aumenta a procura mas o oferecimento ainda esta na mesma quantidade, o preço aumenta, e o inverso no caso contrário: um verdadeiro mito da ciência econômica, propagada ideologicamente pelos liberais, com o apoio da grande imprensa. De fato, os preços são determinando pelo poder de mercado do seu respectivo empresário, de sua capacidade de impor sua margem de lucro no preço de seu produto e/ou transferir custos para o preço final.

Os empresários do comércio e serviços por todo o país vêm nos últimos anos provavelmente transferindo para os seus preços o movimento de elevações nos custos com mão de obra, alugueis e despesas financeiros, aproveitando o fato de que o consumidor brasileiro, pelo crédito facilitado e pequena elevação da renda, passaram a consumidor mais lazer e turismo ou se programam mais facilmente para isso, absorvendo a elevação das despesas.  Por sua vez, esses empresários ao contrário de se programarem para eventuais altas da demanda em determinados períodos simplesmente elevam seus preços, aproveitando-se dos consumidores.

Aos consumidores, sem alternativa, resumiria-se a desistir de comprar em determinado lugar, para cair em outro também com preços exorbitante. Quando os empresários não combinaram os preços, se sentem "tentados" a reajustar ou não constrangidos a isso, à medida que os pequenos comerciantes realmente não têm grande margem de lucro, diferente dos grandes que o fazem pelo seu poder de mercado. Quando criticados, sempre usam a desculpa do livre-mercado, da necessidade de repassar a elevação dos custos ou da baixa oferta de determinado produto diante da demanda repentina.

Porém, agora o consumidor no Brasil resolveu se mexer contra isso. Foi justamente para protestar contra os altos preços em alguns bares e restaurantes da cidade que grupos vêm organizando idas às praias ou parques no chamado movimento 'Isoporzinho'. O movimento, lançado originalmente nas praias cariocas, como uma versão bem-humorada e praiana dos "Rolezinhos", feitas pelos jovens da periferia paulistana, critica os valores abusivos praticados em bares e restaurantes. A ideia é convocar as pessoas a levarem as próprias bebidas para uma área pública,  reunir os amigos durante as férias de verão e o pré-carnaval, em “protesto” aos altos preços cobrados por bares e vendedores ambulantes.

Pode-se lembrar que, até o começo dos anos 90, era um hábito beber cerveja ao ar livre, principalmente em perímetros boêmios ou áreas públicas de lazer. O hábito começou a perder força em meados de 2000, quando as prefeituras passaram a coibir com mais força o comércio ambulante, especialmente nessas áreas.

Quem prática "isorporzinho" garante que vale a pena comprar cervejas no supermercado e levá-las no isopor. A economia é de 50%. Enquanto as latinhas levadas custam R$ 1,50 cada uma, no local do pré-carnaval ou na praia elas estava sendo vendidas por no mínimo R$ 3 ou R$ 4 em bares e por ambulantes. Uma dupla de amigos gasta uns R$ 24 no total - se não tivéssemos levado isopor teriam gastado até R$50. E está se espalhando pelo Brasil: Brasília também fez o seu primeiro, na manhã de domingo (09), em pleno Via Eixo Rodoviário-Residencial, durante o 'Eixão do lazer', e Niterói (RJ) fez seu primeiro no fim de semana anterior.

Na capital fluminense esse movimento começa a surtir efeito, ao invés de tentar combatê-los — como o dono de um bar em Botafogo que, revoltado com a galera fazendo isoporzinho em frente de seu boteco, fechou a cara e resolveu cobrar R$ 2 pelo uso do banheiro — um famoso bar na Lapa, juntou-se a eles. O bar está oferecendo seu próprio isoporzinho, com cerveja vendida quase a preço de camelô. Quase, afinal não dá para competir com gente que não paga imposto. Se antes, seis latinhas no balcão dali custavam R$ 39,60, agora, num esquema “combo” (seis latas já acomodadas na caixa de isopor) saem a R$ 28.

Essa tendência de protestar contra a alta de preços não é só no Brasil. Grupos na Argentina, estimulados populisticamente inclusive pelo governo de Cristina Kirchner, pedem numa grande campanha, veiculada inclusive nas redes sociais, boicote de 24 horas a supermercados e postos de combustíveis por desrespeito ao acordo de preços firmados com o governo e pelo desabastecimento de vários produtos tabelados. Lá como cá, os comerciantes diante da alta dos seus custos pela alta do dólar, das commodities e dos juros, e a fim de manter sua alta margem de lucro historicamente altas, repassam integramente aos preços.

Lá como cá, o problema chave da inflação de verão é o poder econômico dos atacadistas e grandes varejistas, setores extremamente oligopolizados. O governo brasileiro, sem fazer o populismo do governo de nossos vizinhos, mas também equivocadamente, ao invés de atacar os oligopólios, recorrentemente os protege com incentivos ou isenções fiscais - há uns dois anos atrás concedeu redução de IPI às cervejarias para "impedir" na época um aumento do preço. Ou mesmo, nada faz para mudar isso quando deixa recorrentemente alta a taxa básica de juros, que acaba desestimulando novos investimentos produtivos para ampliar a produção e logo aumentar a oferta de bens e serviços, que poderiam reduzir os preços, mas que beneficiariam além dos consumidores, possíveis concorrentes.

Almir Cezar Filho é membro da sucursal Brasília e editor de Economia. 
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