Por Max Marreiro
As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações desastrosas. Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das comunicações entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis. De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos. Uma arte tão ousada e quase tão perfeita, como é a engenharia, não deve julgar irresolvível tão simples problema.
O Rio de Janeiro, da avenida, dos squares, dos freios elétricos, não pode estar à mercê de chuvaradas, mais ou menos violentas, para viver a sua vida integral.
Como está acontecendo atualmente, ele é função da chuva. Uma vergonha! Não sei nada de engenharia, mas, pelo que me dizem os entendidos, o problema não é tão difícil de resolver como parece fazerem constar os engenheiros municipais, procrastinando a solução da questão. O Prefeito "X", que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou completamente de solucionar esse defeito do nosso Rio.
Cidade cercada de montanhas e entre montanhas, que recebe violentamente grandes precipitações atmosféricas, o seu principal defeito a vencer era esse acidente das inundações. Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.
Essas palavras, que batem tanto com a realidade do que ocorreu no Rio de Janeiro, no dia 11 de Janeiro de 2013, não são minhas, mas de Lima Barreto, em seu texto "Vida urbana", de 19-1-1915. A cidade passou por um caos desnecessário, posto que além da tecnologia de detecção de desastre, deveria haver também a manutenção e contenção da partes mais críticas, em geral as mais pobres da cidade. É possível falar da gentrificação do caos. Isto é, os efeitos são piores e mais sentidos para a população dos bairros mais afastados e com população mais pobre.
Para que se tenha uma ideia da situação de parte do Complexo do Alemão, de acordo com informações colhidas em redes sociais de moradores da região: " são 13 famílias desabrigadas só nos Mineiros; na Matinha, são dez famílias.
Estas são informações objetivas. O sofrimento das pessoas ao deixarem suas casas, sem carregar nada, e sem saber se vão encontrar algo quando voltarem, ou quando vão voltar, é dramático. Não dá para julgar quem se nega a sair de sua casa".
Se por um lado os serviços de manutenção parecem ser mais bem cuidados nas regiões mais ricas como a zona sul ou Barra. Mesmo com a quantidade de chuva que caiu, essas não foram tão afetadas. Mas por outro, pelas periferias mais afastadas não passam delegações da Copa ou da Olimpíada. Não aparecem nos jornais, só quando acontecem desastres como esses de hoje. Logo, são esquecidas pelas gestões municipais.
Mas, ai acontece uma coisa cínica, cruel: a população dessas regiões pobres acabam por ser culpabilizadas. Por jogar lixo nas ruas, por isso ou aquilo. Há o que se poderia chamar de inversão do ônus da culpa: a prefeitura que não cuida de sua responsabilidade, acaba jogando a batata quente na conta da natureza ou nas costas população pobre. Que na verdade, é vítima.
Mas, o pior de tudo é que a própria população aceita e se culpa por isso. De tanto ouvir isso das autoridades "responsáveis", da imprensa que compactua com esse jogo de empurra-empurra. O povo joga lixo nas encostas, constrói irregularmente e etc? Sim, mas não podemos limitar o problema a essas afirmações do senso comum, pois há questões educacionais, sócio-econômicos e históricos. Irrita-me profundamente ver educadores, engenheiros, sociólogos e etc. procurando apontar erros e soluções proféticas nas relações certo/errado - problema/solução - inocente / culpado e daí por diante.
Segundo a professora da Universidade Federal Fluminense, Selene Herculano, "a população urbana miserável, seja migrante, seja nascida nas cidades, não tem acesso aos espaços urbanizados e seguros, habitando áreas varridas por enchentes, pirambeiras de morros que desabam, chafurdando em manguezais convertidos em pântanos poluídos e envenenados. Se empregados, moram nas zonas de sacrifício das áreas industriais. Quando seus casebres são soterrados ou levados pelas águas, em tragédias anunciadas e crônicas, os jornais noticiam que "as fortes chuvas fizeram desabrigados..." Ou seja, a conta vai para a fatalidade e para a fúria da natureza. Tudo isso acima descrito já é fartamente sabido. O que pouco é dito e que quero aqui sublinhar é que não há fatalidade nesses casos, há escolhas: dos governos, que decidem não ter política habitacional e urbana reais; de agentes imobiliários, que decidem bloquear cursos de rios, aterrar lagoas e mangues; de empresas, que escolhem diminuir seus custos vertendo seus dejetos seja onde for."
É bom deixar claro que isso não acontece somente no Rio de Janeiro, mas aqui há agravantes: grande parte da cidade está esburacada, em obras para os grandes eventos. O que gera mais detritos e partes de obra e entulho para entupir os bueiros. Além dos tradicionais desvios e problemas de trânsito já existiam. Logo, as principais vias entraram em colapso, assim como a recém-inaugurada Via Binário.
É importante que nunca se diga que isso é natural, para que não passe por imutável.
Maximiano Laureano da Silva, da Redação.
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