por Maximiano Laureano da Silva, da Redação
O
famoso poema 'Invictus' do britânico William Ernest Henley que inspirou Nelson
Mandela na prisão.
''Dentro da noite que me rodeiaNegra como um poço de lado a lado
Agradeço aos deuses que existempor minha alma indomávelSob as garras cruéis das circunstância
seu não tremo e nem me desespero
Sob os duros golpes do acasoMinha cabeça sangra,mas continua erguidaMais além deste lugar de lágrimas e ira,Jazem os horrores da sombra.Mas a ameaça dos anos,Me encontra e me encontrará,sem medo.Não importa quão estreito o portãoQuão repleta de castigo a sentença,Eu sou o senhor de meu destinoEu sou o capitão de minha alma.''
O estadista, militante e dirigente político, Mandela, recém
falecido, deixa para a História um legado contraditório. Ele foi a maior e mais
reconhecida liderança negra contra o regime do Apartheid, tendo cumprido um
papel fundamental na conquista de liberdade e direitos políticos do povo negro
na África do Sul.
“Madiba”, como era chamado por seus conterrâneos, era
advogado e ativista político. Desde o início de sua carreira jurídica, quando
concluiu a sua formação em direito em 1952, ele abriu o primeiro escritório de
advocacia de negros da África do Sul. Como advogado, oferecia auxílio jurídico
para pessoas que até aquele momento não tinham. Mandela, devido a sua intensa
participação política foi perseguido em diversos momentos da sua vida, segundo
a página dos Advogados Ativistas.
Na sua
primeira passagem pela prisão, em 1956, foi acusado de "alta traição"
conjuntamente com outros 155 prisioneiros, mas 4 anos depois a Justiça arquivou
as acusações. Em um dos protestos advogados em prol da causa negra, a polícia
matou 69 pessoas, o governo declarou estado de emergência e baniu o Congresso
Nacional Africano, partido pelo qual Mandela defendia. Desta forma, ainda
segundo a página dos Advogados Ativistas, o advogado ativista foi obrigado,
diante das perseguições políticas e o banimento legal do seu partido, a
constituir um braço armado para defendê-lo. Em 1962, Mandela foi preso
novamente e condenado por tentar sair do país sem autorização do governo.
Ainda
preso, um ano depois, ele foi acusado de sabotagem e em 1964 foi condenado a
prisão perpétua. O ativista permaneceu preso pelo período de 27 anos e só foi
solto apenas após a comunidade internacional reforçar as sanções ao regime do Apartheid.
Convém não esquecer: Mandela foi preso por advogar
luta armada contra um regime religioso-tirano-racista. Tornou-se, com razão,
uma referência mundial na luta contra o racismo. Por outro lado, uma vez no
governo, a partir de 1994, Mandela aplicou a fundo o receituário neoliberal no
país, com a desregulamentação da economia e privatizações.
O CNA, seu partido, tornou-se um partido da ordem,
corrupto como os outros e defensor do status quo.
“Madiba” lderou uma 'repactuação' negociada com a
antiga elite branca e manteve a antiga estrutura social marcada pela
desigualdade.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2 de
julho, o professor sul-africano Loren Landau, da Universidade de Witwatersrand,
que “os sul-africanos continuam tão pobres quanto há 15 anos, após o Apartheid
(...). O fracasso do governo em cumprir as promessas que fez em 1994 é a
verdadeira causa da revolta. A frustração é tanta que a população só conseguiu
expressá-la pela violência.
A maior e mais dramática expressão desse processo
ocorreu no ano passado, com o massacre dos mineiros de Marikana, quando 34
operários foram mortos pela polícia em meio a uma greve.
Cyril
Ramaphosa, dirigente da CNA e a sua central sindical, a Cosatu, defendeu a
repressão. Não é por menos, já que é ligado à mineradora multinacional Lonmim,
contra a qual os trabalhadores lutavam. Ou seja, um setor do CNA se tornou
parte integrante da burguesia no país, uma burguesia negra.
Uma frustração que, de fato, só não é maior do que
eram as expectativas dos negros e negras que sofreram com o Apartheid ou que possa
ser comparada com os inúmeros e heróicos esforços e sacrifícios feitos durante
o longo processo de luta contra o regime racista que, apesar de ter sido
oficialmente institucionalizado em 1948, já vigorava desde o final do século
19, mantendo legalmente uma total separação entre os 90% dos negros e a
poderosa minoria branca.
“Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e
democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com
oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero
alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para
morrer'', disse ele, ao ser condenado a 27 anos de prisão.
A pesquisadora Rejane Carolina Hoevler, metranda em História pela UFRJ afirmou em sua página numa rede social que "sim, Mandela foi um símbolo da luta anti-racista,
isto é inegável. Lutou contra o Apartheid, uma ditadura racial das mais
horrendas que o mundo já conheceu. Ficou preso por décadas. Representa para
muitos um herói nacional. Mas não apaguemos que foi também, quem possibilitou a
viabilidade de um capitalismo feroz após o Apartheid; foi talvez um dos mais
importantes organizadores da dominação da burguesia sul-africana, branca e
negra, contra alternativas revolucionárias ou mesmo reformistas, no processo de
desmantelamento do Apartheid - o que resultou em uma série de continuidades
daquele regime, e na própria implementação do neoliberalismo naquele país. Tornou-se símbolo de conciliação de classes,
da conciliação política que apaga o passado, processo em muitos pontos análogo
ao de Lula no Brasil".
A pesquisadora Rejane lembra um comentário
mais do que pertinente de uma companheira sul-africana, ativista da greve de
Marikana: "De repente, lembrei-me de como eu passei o dia em que a
libertação de Mandela foi anunciada: segurando a cabeça de alguém no Hospital Hillbrow
(que ainda era um hospital então) depois que a polícia nos ferrou (de novo). E
lembrei por isso que não era Mandela, que nos libertou, mas nós (o movimento)
que libertamos Mandela."
O Apartheid não morreu apenas por conta do sorriso
bonito e das falas carismáticas do líder sul-africano, mas por décadas de luta
firme contra a segregação coordenada por uma resistência que ele ajudou a
estruturar.
Mandela passa para a história, com justiça, como o
maior líder contra o Apartheid. Mas também como expressão da limitação, para
não dizer incapacidade, de se travar uma luta conseqüente contra o racismo nos
marcos do capitalismo e do status quo.
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