sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Mandela e seu Legado

            por Maximiano Laureano da Silva, da Redação

O famoso poema 'Invictus' do britânico William Ernest Henley que inspirou Nelson Mandela na prisão.

''Dentro da noite que me rodeiaNegra como um poço de lado a lado
Agradeço aos deuses que existempor minha alma indomávelSob as garras cruéis das circunstância
seu não tremo e nem me desespero
Sob os duros golpes do acasoMinha cabeça sangra,mas continua erguidaMais além deste lugar de lágrimas e ira,Jazem os horrores da sombra.Mas a ameaça dos anos,Me encontra e me encontrará,sem medo.Não importa quão estreito o portãoQuão repleta de castigo a sentença,Eu sou o senhor de meu destinoEu sou o capitão de minha alma.''

O estadista, militante e dirigente político, Mandela, recém falecido, deixa para a História um legado contraditório. Ele foi a maior e mais reconhecida liderança negra contra o regime do Apartheid, tendo cumprido um papel fundamental na conquista de liberdade e direitos políticos do povo negro na África do Sul.

“Madiba”, como era chamado por seus conterrâneos, era advogado e ativista político. Desde o início de sua carreira jurídica, quando concluiu a sua formação em direito em 1952, ele abriu o primeiro escritório de advocacia de negros da África do Sul. Como advogado, oferecia auxílio jurídico para pessoas que até aquele momento não tinham. Mandela, devido a sua intensa participação política foi perseguido em diversos momentos da sua vida, segundo a página dos Advogados Ativistas.


 Na sua primeira passagem pela prisão, em 1956, foi acusado de "alta traição" conjuntamente com outros 155 prisioneiros, mas 4 anos depois a Justiça arquivou as acusações. Em um dos protestos advogados em prol da causa negra, a polícia matou 69 pessoas, o governo declarou estado de emergência e baniu o Congresso Nacional Africano, partido pelo qual Mandela defendia. Desta forma, ainda segundo a página dos Advogados Ativistas, o advogado ativista foi obrigado, diante das perseguições políticas e o banimento legal do seu partido, a constituir um braço armado para defendê-lo. Em 1962, Mandela foi preso novamente e condenado por tentar sair do país sem autorização do governo.

            Ainda preso, um ano depois, ele foi acusado de sabotagem e em 1964 foi condenado a prisão perpétua. O ativista permaneceu preso pelo período de 27 anos e só foi solto apenas após a comunidade internacional reforçar as sanções ao regime do Apartheid.

Convém não esquecer: Mandela foi preso por advogar luta armada contra um regime religioso-tirano-racista. Tornou-se, com razão, uma referência mundial na luta contra o racismo. Por outro lado, uma vez no governo, a partir de 1994, Mandela aplicou a fundo o receituário neoliberal no país, com a desregulamentação da economia e privatizações.

O CNA, seu partido, tornou-se um partido da ordem, corrupto como os outros e defensor do status quo.

“Madiba” lderou uma 'repactuação' negociada com a antiga elite branca e manteve a antiga estrutura social marcada pela desigualdade.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2 de julho, o professor sul-africano Loren Landau, da Universidade de Witwatersrand, que “os sul-africanos continuam tão pobres quanto há 15 anos, após o Apartheid (...). O fracasso do governo em cumprir as promessas que fez em 1994 é a verdadeira causa da revolta. A frustração é tanta que a população só conseguiu expressá-la pela violência.

A maior e mais dramática expressão desse processo ocorreu no ano passado, com o massacre dos mineiros de Marikana, quando 34 operários foram mortos pela polícia em meio a uma greve.

Cyril Ramaphosa, dirigente da CNA e a sua central sindical, a Cosatu, defendeu a repressão. Não é por menos, já que é ligado à mineradora multinacional Lonmim, contra a qual os trabalhadores lutavam. Ou seja, um setor do CNA se tornou parte integrante da burguesia no país, uma burguesia negra.

Uma frustração que, de fato, só não é maior do que eram as expectativas dos negros e negras que sofreram com o Apartheid ou que possa ser comparada com os inúmeros e heróicos esforços e sacrifícios feitos durante o longo processo de luta contra o regime racista que, apesar de ter sido oficialmente institucionalizado em 1948, já vigorava desde o final do século 19, mantendo legalmente uma total separação entre os 90% dos negros e a poderosa minoria branca.

“Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer'', disse ele, ao ser condenado a 27 anos de prisão.

A pesquisadora Rejane Carolina Hoevler, metranda em História pela UFRJ afirmou em sua página numa rede social que "sim, Mandela foi um símbolo da luta anti-racista, isto é inegável. Lutou contra o Apartheid, uma ditadura racial das mais horrendas que o mundo já conheceu. Ficou preso por décadas. Representa para muitos um herói nacional. Mas não apaguemos que foi também, quem possibilitou a viabilidade de um capitalismo feroz após o Apartheid; foi talvez um dos mais importantes organizadores da dominação da burguesia sul-africana, branca e negra, contra alternativas revolucionárias ou mesmo reformistas, no processo de desmantelamento do Apartheid - o que resultou em uma série de continuidades daquele regime, e na própria implementação do neoliberalismo naquele país.      Tornou-se símbolo de conciliação de classes, da conciliação política que apaga o passado, processo em muitos pontos análogo ao de Lula no Brasil".

A pesquisadora Rejane lembra um comentário mais do que pertinente de uma companheira sul-africana, ativista da greve de Marikana: "De repente, lembrei-me de como eu passei o dia em que a libertação de Mandela foi anunciada: segurando a cabeça de alguém no Hospital Hillbrow (que ainda era um hospital então) depois que a polícia nos ferrou (de novo). E lembrei por isso que não era Mandela, que nos libertou, mas nós (o movimento) que libertamos Mandela."

O Apartheid não morreu apenas por conta do sorriso bonito e das falas carismáticas do líder sul-africano, mas por décadas de luta firme contra a segregação coordenada por uma resistência que ele ajudou a estruturar.

Mandela passa para a história, com justiça, como o maior líder contra o Apartheid. Mas também como expressão da limitação, para não dizer incapacidade, de se travar uma luta conseqüente contra o racismo nos marcos do capitalismo e do status quo.


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