Por: Terra Y Praxis
A renda do solo urbano garantida pelo FGTS no Porto Maravilha
Por Omar Blanco
O investimento no Porto Maravilha tem características específicas e diferenciadas para o resto do território da cidade do Rio. O Poder Público garante o lucro para o investidor privado ou público, para a indústria da construção e/ou setor financeiro. Isso acontece porque o FGTS é dono da totalidade dos títulos de valor que a concessionária do Porto dispõe no mercado. Na prática, é um sinal para aumentar a confiança dos investidores privados ao realizarem um empreendimento, ainda que a tendência de maior lucro imobiliário, hoje, não esteja na região portuária. Esse é um sinal preventivo, com risco mínimo.
A indústria da construção civil e o setor financeiro definem um valor de referência que permita antecipar o investimento num empreendimento qualquer para que seja competitivo, isto é, que se realize o lucro esperado. O valor de referência usado nesta operação urbana é o CEPAC (R$545 por título).
O Certificado de Potencial Adicional de Construção, CEPAC, basicamente, é uma permissão adquirida para construir acima do permitido numa área determinada da cidade, nesse caso, nos diferentes setores do Porto Maravilha. Essa permissão é um título que pode ser comprado/vendido na Bolsa, representa o valor da expectativa de retorno para quem seja dono dele.
Fora do âmbito CEPAC, na Barra da Tijuca, por exemplo, qualquer incorporador, construtor pode realizar um empreendimento seguindo a oportunidade de lucro por localização do projeto; pelo maior aproveitamento do solo que permite a norma básica do Plano Diretor; pelas infraestruturas construídas ao longo do tempo; pela junção de diferentes usos de solo na região que permitem maior valor agregado ou valorização; pelo conjunto diversificado de usos.
A Barra da Tijuca é um produto histórico construído num tempo/espaço de várias décadas, desde o projeto de Lúcio Costa, que previa um centro novo para Rio até hoje, com a construção das linhas de ônibus expressos centralizados nessa região. Desde então, o setor financeiro e o da indústria construtora operaram sem planejamento prévio de longo prazo entre eles ou com a prefeitura. Os empreendimentos são realizados produto do lobby imobiliário que pressiona o máximo aproveitamento do solo na câmara de vereadores e na prefeitura. O risco pelo lucro esperado para o setor privado pode ser variável, porque ele usufrui das condições históricas, não realizando investimento infraestrutural algum.
No âmbito do CEPAC, é garantido ao setor privado o lucro advindo de lançamentos e vendas de unidades, com um mínimo de competitividade, se comparado com outras regiões. Não é a “mão invisível” do mercado que garante isso, é o FGTS. É o Estado intervindo no mercado, na realização da operação urbana. Na etapa do capitalismo mundial atual, conhecida como Neoliberalismo, essa intervenção seria rejeitada por keinesianos, mas os governos parecem tranquilos, até orgulhosos, pois, caso o negócio não funcione, as perdas serão respaldadas pelo FGTS, os trabalhadores que são descontados em 8% do salário.
No âmbito do CEPAC, o estudo de viabilidade realizado pelo setor privado estimou que, em 2010, o valor mínimo competitivo era R$400. Com esse acordo, o consórcio OAS, Odebrecht e Carioca Engenharia, assume a direção da operação urbana (Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro CDURP). No mês passado, o risco foi ajustado em R$145 a mais; foram leiloados 6,4 milhões de CEPAC’s, com valor de R$ 545. Os títulos foram comprados pelo FGTS da Caixa Econômica Federal, e a prefeitura entregará, em 15 anos de propriedade temporária, R$ 7,6 bilhões. Assim é que o poder público “garante” a competitividade do negócio imobiliário. Dentro desse jogo, com “cara” ganha o consórcio, com “coroa” perde o FGTS!
Bolha imobiliária!
Em 2007, nos Estados Unidos, começou a maior crise econômica mundial conhecida, até agora, na sociedade capitalista. O estopim foi especulação imobiliária. A “fome” de lucro dos industriais da construção e do setor financeiro internacional produziu muitos metros quadrados construídos. Os consumidores diretos tomavam hipotecas, ou dívidas, a altos juros para pagar suas casas. Muitas empresas do setor financeiro compravam e revendiam as dívidas sucessivamente. O ritmo de consumo da indústria da construção civil e dos compradores de unidades de habitação foi estimulado pelo maior oferecimento de capacidade de compra respaldada em divida.
Antes dessa crise, existia a promessa de lucro, supondo que o mercado se autorregularia (oferta e procura). Só não foi igual à catastrófica de 1929, porque os orçamentos do Poder público dos EUA injetaram trilhões de dólares nas caixas de bancos privados, responsáveis pela especulação imobiliária. O resto da história, já conhecida, é que tudo “caiu”, e pode entrar numa segunda crise a julgar pelos acontecimentos recentes nos EUA e na Europa.
Como a crise teve seu epicentro em países mais desenvolvidos, os orçamentos dos Estados seguiram o comportamento padrão dos EUA. Como a economia é mundial, a procura por lucro imobiliário é crescente nos chamados países BRIC’s. O Brasil, que é um deles, age igual, diante das consequências da crise no setor financeiro, ainda que menores no país, injetando R$213,6 bilhões de “forma preventiva”, ou permitindo que sejam repatriados pelas multinacionais que operam no país bilhões de reais em lucros para as matrizes na Europa.
O setor imobiliário, financeiro e de construção civil, tem uma etapa de crescimento no país. Diferentes dados apontam incrementos de capital internacional envolvidos no setor imobiliário. É de interesse dos governos Dilma, Cabral e Paes fazer da operação urbana Porto Maravilha uma vitrine internacional de solo urbano. No centro, na região do Porto, na Zona Norte da cidade, na Baixada de Jacarepaguá e na Barra da Tijuca, existem, hoje, condições de desenvolvimento pelo “cinto de segurança” que conformam as UPP’s. Todas essas circunstâncias são usadas pelo governo estadual e municipal para tentar garantir crescimento imobiliário.
Um “bolão” no Rio.
A imprensa do Rio afirma que existe aquecimento do mercado imobiliário. Valores de imóveis e aluguel registram aumento em setores do Centro e na Zona Norte da cidade. Quanto do crescimento imobiliário pode ser usufruído pelos mais pobres desses mesmos setores? Pode ser questão de sorte? Não, pois o FGTS, também, possui condições de garantir moradia para os mais pobres, com valores que compensem o alto preço do solo e, ainda, permitam lucro para quem realize a construção.
Tendo em conta que o déficit habitacional no Brasil, estimado em 2008, corresponde a 5,5 mil de domicílios, cada domicílio pode ter 3,1 pessoas em média. Para o Ministério das Cidades, os 20,5% do número anterior está em condições precárias. Existem, além, 7,2 mil domicílios vagos sem uma caracterização completa. No Brasil, a pobreza é de 28,8%, em relação à população nacional. O IPEA explica que uma (1) pessoa sobrevive com meio salário mínimo ao mês. Os benefícios do crescimento imobiliário no Brasil, em particular os do Porto Maravilha, podem ser proporcionais ao déficit para todos os cidadãos. Na prática, a lei 10.257 de 2001, Estatuto da Cidade, estabelece a “função social da propriedade”, da cidade, do Porto Maravilha para este caso.
Finalmente, existem, pois, condições para que a Caixa Econômica Federal – FGTS – construam moradia de um 1 quarto no Programa de Arrendamento Residencial, PAR, ou de 2 e 3 quartos, no programa “Morar Carioca” ou “Minha Casa, Minha Vida” , e que, pelo menos, somem 1% do déficit de moradia dos cidadãos (e não as 921 unidades previstas). Existem condições para que as empresas privadas (CDURP), recebendo bilhões para infraestrutura, resolvam pela cobertura completa de serviços públicos nos morros do Porto Maravilha.
Como foi escrito na matéria “Porto Maravilha, cidade dentro da cidade”, esta pode ser uma boa oportunidade de passar da teoria à prática, tendo em vista que o poder Público, desta vez, garante uma operação urbana com solo urbano suficiente para resolver parte do déficit.
Fontes:
IBGE, Brasil, Programa Nacional de Amostragem por Domicílios (Pnad), IBGE, 2010, Rio de Janeiro. 2010.
IBGE, Brasil, Contas Nacionais Trimestrais: Nova Série 2006. IBGE - Sistema de Contas Nacionais Brasil. 2006
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Comunicado do Ipea nº 58: Dimensão, Evolução e Projeção da Pobreza por Região e por Estado no Brasil, Rio de Janeiro 2010.
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