POLÍTICA
Por Ademar Lourenço, de Brasília
Muitos
se perguntam o que levou milhões às ruas em junho de 2013 no Brasil. Não deveria
ser surpresa, em um país democrático, que as pessoas se manifestem. Principalmente
quando a corrupção é alta e os serviços públicos são ruins. O que gera espanto
não são as mobilizações atuais, mas a falta delas nos últimos 20 anos. O que
NÃO levou as pessoas às ruas? O que mudou agora?
Nos
anos 80, a insatisfação com a ditadura militar e a inflação alta impulsionaram
a década de maior participação popular da história do Brasil. Entre as greves
operárias de 1979 e o Fora Collor de 1992 o povo brasileiro derrubou uma ditadura,
arrancou dos políticos uma nova Constituição e escorraçou do poder um
presidente corrupto. Entre 1992 e 2013 não houve grandes mobilizações. Nessa
época, tivemos compra de votos para reeleição presidencial, privatizações,
apagão, mensalão, decepção com o PT. Existiram algumas mobilizações. Teve até
uma marcha com 100 mil pessoas, feita no ano 2000. Mas nada parecido com a
participação espontânea das pessoas nas ruas em junho.
A ditadura não
acabou: militares saíram, mas deixaram a mídia e a polícia militar
Foi
durante os governos autoritários que surgiram os atuais grupos dominantes da mídia.
Temos como exemplo a revista Veja e a rede Globo. Eles colaboraram com os militares
e receberam ajuda governamental. A televisão tem um destaque especial. Ela não
era muito popular antes da ditadura. Em 1985, quando começou a democracia, a TV
já era a rainha do lar. O poder da televisão de formar gostos e disseminar
valores era colossal. Milhões de textos já foram escritos para mostrar como a
ideologia disseminada pelos canais de TV ajuda a desmobilizar as pessoas. A
geração que nasceu na década de 80 e cresceu vendo desenhos animados foi a
menos mobilizada do século XX. Foi necessário surgir uma geração que assiste
menos TV e é mais ligada à internet para mudar a situação.
Para
quem não era anestesiado pela televisão, sobrava a ação da polícia militar. O
modelo atual de polícia foi formatado durante a ditadura. A formação dos
policiais é voltada para o “combate ao inimigo”, e não para a garantia da
segurança pública. O livro do jornalista Caco Barcellos, “Rota 66”, conta bem
essa história. Os militares saíram do poder, mas a repressão continuou. Exemplo
maior foi o massacre de 21 sem-terras em Eldorado dos Carajás1996. Com uma PM
truculenta, as pessoas têm medo de se manifestar. Participar de um protesto sempre
foi visto como “coisa de vagabundo”. Afinal, se dá cadeia boa coisa boa não é. A
pessoa com medo fica paralisada, mas o ressentimento vai acumulando. Uma hora a
raiva explode, com aconteceu em junho.
Fim da inflação
e eleição de Lula geraram clima de otimismo
As
pessoas não demonstraram uma grande insatisfação nos últimos anos porque de
fato não estavam tão insatisfeitas assim. Os dados mostram que o Brasil é o
mesmo país desigual, injusto, violento e racista de 500 anos atrás. Mas as
pessoas, nos últimos 20 anos, acreditaram que as coisas estavam melhorando. A
Constituição de 1988 entrou vigor prometendo liberdades democráticas e justiça
social. Algumas melhorias foram feitas, como a redução da carga horária de
trabalho (de 48 para 44 horas) e a criação de um sistema universal de saúde. Em
1992, um presidente corrupto foi derrubado e o povo sentiu que as coisas iam
mudando. Em 1994, a inflação, que chegava a 45% ao mês, acabou.
Neste
clima, as pessoas elegeram e reelegeram Fernando Henrique Cardoso. A maioria do
povo bateu palmas para as privatizações e para política de “combate à
inflação”. Uma multidão que mudou da cidade para o campo nos últimos 30 anos teve
acesso a várias coisas que não tinha antes. Apesar da vida dura, a população se
sentia melhor do que quando vivia na roça. Nos meados de 2000, o povo já
começava a ficar insatisfeito. Mas aí veio o Lula. Alguém “com a nossa cara” na
presidência. O salário mínimo aumentou e o acesso à compras em parcela foi
facilitado. Começou um novo clima de otimismo. A insatisfação com a corrupção e
com a má qualidade dos serviços continuava, mas era contida.
Não
foi só no Brasil, mas na maior parte do mundo as pessoas acreditaram que o
modelo atual de capitalismo iria salvar o mundo. Afinal, não existia mais
socialismo e não existiam mais alternativas. Mesmo que a vida não fosse tão
boa, a economia de livre mercado era a única salvação. Surgiu o meio de
comunicação mais eficiente da história, a internet, e as pessoas tiveram acesso
a informação como nunca haviam tido antes. A evolução da tecnologia na área de
informática foi colossal, a vida das pessoas foi facilitada de diversas formas.
O mundo parecia mais integrado com a chamada “globalização”. As coisas parecias
bem. Foram 20 anos de falso otimismo em nível mundial.
Direções dos
movimentos sociais têm sua parcela de culpa
Logo
após o movimento estudantil derrubar o presidente Fernando Collor, em 1992,
veio a lei que garantiu para a União Nacional dos Estudantes (UNE) o monopólio
das carteirinhas de estudante. Além disso, a juventude foi ficando cada vez
mais despolitizada. O resultado foi uma burocratização enorme da principal
entidade estudantil do país. Com a Central Única dos Trabalhadores (CUT),
aconteceu algo parecido. Antes, a CUT era combativa, fazia greves. Depois ela
passou a administrar fundos de pensão e repasses de verbas públicas, o que
mudou a cara da central.
As
direções dos movimentos sociais acompanharam os “novos tempos”. Ao invés de fazerem o contraponto, se
adequaram ao sistema. Com isso surgiu uma geração de dirigentes conservadores,
pouco atuantes, e em muitos casos corruptos. As pessoas deixaram de ter
credibilidade nos movimentos sociais. Aliás, essa credibilidade ainda não foi
recuperada. As mobilizações atuais aconteceram sem sindicatos e entidades
estudantis. Isso foi possível depois de 20 anos de impaciência com lideranças
que não cumpriram seu papel.
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