por Max Laureano, do Rio de Janeiro
Cartão-resposta do ENEM 2013 (Foto: ABr) |
Analisando a parte de Ciências Humanas e suas Tecnologias (História, Sociologia, Filosofia e Geografia) do ENEM 2013, percebo algumas contradições e uma acelerada no processo de elitização do ensino superior. Textos pesados de Descartes, Kant, Karl Marx e outros pensadores não tão conhecidos, com questões, sejamos sinceros, com nível de dificuldade quase que de nível superior.
Qual estudante da maior parte da rede pública teve acesso a textos e a um foco interpretativo, da forma como foi pedido nessa prova, tanto nas questões de Humanas, quanto nas de Ciências da Natureza ( Biologia, Química e Física)?
Isso se torna mais grave quando levamos em conta que no estado do Rio de Janeiro houve, além da greve, um corte nos tempos de Sociologia e Filosofia? Quem não teve essas matérias a fundo, não adianta: está fora do ensino superior público federal ano que vem. E talvez em outros.
Posso estar exagerando. Até o fechamento deste texto, não tive acesso às questões do segundo dia de prova, com Português, Matemática e Redação. Quem sabe estou equivocado...
Há que se ver também a verificação sócio-econômica de quem fez essa prova. Os dados dirão melhor o que estou sugerindo: que houve uma elevação no grau de dificuldade no ENEM. Até porque, uma prova de 2 dias com 180 questões por dia não testa os conhecimentos de ninguém. Testa a resistência física e mental do candidato.
E, suspeito eu, que tenha sido uma solicitação por parte de algumas reitorias, exatamente para elitizar mais ainda esse semi falido ensino superior e seu sistema de acesso.
Deixo vocês com as palavras de quem enfrenta as dificuldades de ensinar essas matérias, tão cobradas no ENEM, mas relegadas a terceiro plano pelos gestores da Educação pública: a professora de Filosofia, na rede pública do Estado do Rio de Janeiro, Quésia Pacheco.
Certamente, suas palavras refletem a sensação de incapacidade e as preocupações de muitos colegas país afora.
"Saber que caiu no ENEM Descartes, Aristóteles e Kant (matéria do 2º ano) me faz pensar nos 50 minutos semanais que tenho com 6 turmas de 40 alunos, todas do 2º ano. Isso mesmo!Tenho um tempo para fazer a chamada, pedir e implorar para que todos se tranquilizem, para então começar a dar a aula. Como será possível trabalhar os conceitos que esses filósofos apresentam dentro dos 50 minutos semanais, para que possam, lá no 3º ano, fazer a prova do ENEM, com algum conhecimento satisfatório?
Nós, professores de Filosofia e Sociologia das escolas estaduais, nos deparamos com graves dificuldades de leitura desses alunos.
Apresentamos, das formas mais criativas possíveis, os conceitos da filosofia e sociologia. Nos encontramos, muitas vezes, envolvidos nos conteúdos de outras disciplinas e tentamos reforçá-los e ou mesmo relembrá-los. Ficamos a deriva em meio às enormes dificuldades que o sistema de educação nos impõe. Seja pela falta de material didático, pelo déficit escolar, seja pelo tempo incompatível que nos é ofertado, para trabalharmos com nossos alunos.
Ainda contamos com a quase nenhuma valorização por parte de muitos colegas das nossas disciplinas. Além do problema que afeta a todos os professores: se ficarmos doentes ou tirarmos licença maternidade não haverá outro colega para te substituir. E os alunos ficarão sem aulas. INSATISFEITOS COM VOCÊ, NUNCA COM A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO!
Assim, insisto: Como ficarão esses alunos que não têm e, pela contínua proposta da SEEDUC/RJ - a qual tem diminuído para o minimo os tempos de aula de Sociologia e Filosofia-, não terão os conteúdos cobrados no ENEM, de forma digna?
Me sinto culpada, cansada e com poucas (ou nenhuma) alternativas de solução."
Com a palavra, as Secretarias de Educação do Rio de Janeiro, e de outros estados: como solucionar essa discrepância entre a sala de aula e os exames gerais, como o ENEM?
Que respostas dar para as angústias dessa professora, que não são só dela, mas também de grande parte da sociedade?
"Sobre os vestibulares:
Se eu fizer os exames vestibulares, não passarei.
E se o novo reitor da UNICAMP fizer os vestibulares, não passará.
Se o Ministro da Educação fizer os vestibulares, não passará.
Se os professores das universidades fizerem os vestibulares, não passarão.
Se os professores dos cursinhos que preparam os alunos para passar nos vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão (cada professor só passará na disciplina em que é especialista...).
Se aqueles que preparam as questões para os vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão.
Então me digam, por favor: por que é que os jovens adolescentes têm de passar no vestibular?
Os vestibulares são um desperdício de tempo, de dinheiro, de vida e de inteligência.
Passados os exames, a memória (inteligente) se encarrega de esquecer tudo
A memória não carrega peso inútil." Rubem Alves.
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