quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Conferência de Desenvolvimento Rural do governo começa cheia de contradições

por Almir Cezar, de Brasília (DF)
especial à  Agência de Notícias Alternativas

Ministro do Desenvolvimento Agrário Pepe Vargas fala na
abertura da 2ª CNDRSS (Foto: MDA)
Esta semana acontece em Brasília a 2ª Conferência de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (CNDRSS). Contudo, apesar da fala inaugural exaltar "a construção do futuro do rural brasileiro feita de forma participativa, por Governo Federal e sociedade civil", a conferência desde o início mostra ser cheia de contradições. A abertura contou com a participação de ministros, representantes de movimentos sociais e 1,2 mil delegados, porém simbolicamente não houve representantes dos movimentos sindicais dos servidores do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), trabalhadores responsáveis pela implementação das políticas de desenvolvimento rural.

Até chegar à Conferência Nacional, foram realizados quase 500 encontros livres e temáticos, nos âmbitos intermunicipais, territoriais e estaduais. Com isso, mais de 40 mil moradores do campo, entre agricultores familiares, assentados da reforma agrária, povos e comunidades tradicionais, mulheres e jovens, participarão da construção do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, que norteará o rural brasileiro pelos próximos anos. No entanto, há reclamações entre esses movimentos do campo de que foi dada prioridade à participação na conferência final de entidades "mais amigas", com maior afinidade à linha política do governo. 

Por sua vez, também há críticas entre os servidores. Segundo eles, em nenhum momento foi viabilizada a participação de delegados do Incra e do MDA na qualidade de servidores ou representantes de suas entidades sindicais e associativas, apesar das solicitações destas organizações e da palavra empenhada pela direção dos dois órgãos. Os servidores ainda reclamam que a maioria “esmagadora” dos delegados institucionais desses órgãos, indicados pelas chefias, são comissionados e consultores, sem vínculo com a “casa” e independência às posições do governo. Um servidor, que pediu para não ser identificado, ainda denunciou que foi "convidado a se retirar" do centro de convenções por uma chefia superior, apesar de ter sido convocado a participar por sua chefia imediata.

"Enquanto há um discurso de democratização dos espaços de decisão com a política de desenvolvimento territorial, o mesmo não se verifica internamente no MDA. Particularmente na SDT, principal porta-voz da citada política, os servidores são alijados do processo decisório, não sendo nem convidados a comparecer na conferência", afirma João Paulo, diretor da Associação Nacional dos Servidores do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Assemda) e, curiosamente, economista lotado na SDT (Secretaria de Desenvolvimento Territorial).

Na abertura, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, destacou que "o desenvolvimento rural precisa ser feito em sua plenitude, garantindo terra para quem não tem terra e mais terra para quem tem pouca terra”. Contrariando seu discurso, o ano de 2013 tem sido difícil para a Reforma Agrária, onde não houve a publicação de nenhum decreto de desapropriação e/ou de instalação de projetos de assentamentos, agravando o que vinha sendo o padrão do mandato da presidenta Dilma, com os piores indicadores desde o governo Collor. 

"A ausência de desapropriações reflete uma decisão do governo, que negligencia há muito tempo a gestão das terras do País. Só não tiveram a coragem ainda de dizer isso à sociedade", diz Ricardo Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA), que organizou em setembro um protesto batizado de "Falecimento da Reforma Agrária".

Faixa na entrada da sede do Incra e MDA (Foto: Anota)
Por telefone, o agrônomo do MDA lotado em Goiás, diretor do Sindicato dos Servidores Públicos local (Sintsep-GO) e conselheiro regional da Assemda, Rodrigo Souza, aponta que a criação neste ano da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), tema em pauta na conferência, ao contrário do anunciado, não estimulará o desenvolvimento rural, à medida que "vulnerabiliza a fiscalização dos contratos, ao não contar com servidores efetivos estatutários, mas fiscais contratados via CLT, e portanto mais vulneráveis aos assédios dos chefes políticos, por não serem estáveis".

Reginaldo Marcos Aguiar, diretor da Associação dos Servidores da Reforma Agrária de Brasília (Assera/Br), complementa que “para outro modelo de desenvolvimento rural é necessário a Reforma Agrária”, e esta “só se viabilizará efetivamente, como política pública, com a valorização dos servidores do Incra e MDA”. Os servidores reclamam dos baixos salários, carência de pessoal, assédio moral, péssima condições de trabalho e da escassez dos recursos dos programas. Reginaldo ainda lembra que, em 2012, os servidores dos dois órgãos protagonizaram, segundo ele, o maior movimento na greve geral dos servidores públicos federais.

Manifestantes na entrada da sede do Incra (Foto: Anota)
O também diretor da Assemda, Flauzino Antunes, que conseguiu participar de alguns painéis, reivindica a necessidade da inversão da priorização do governo no orçamento, a favor das políticas agrárias e de desenvolvimento rural em detrimento dos incentivos ao agronegócio, às multinacionais e ao mercado financeiro. “Mais desenvolvimento rural sustentável e solidário, menos superávit primário”, sintetiza Flauzino. Não à toa esta é a frase da faixa na entrada do edifício sede nacional do Incra e da maioria das secretarias do MDA, co-assinada pela Assemda, Assera/BR e Confederação Nacional das Associações dos servidores do Incra (Cnasi).

No fim da tarde de ontem (15), membros do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) ocuparam com uma roda de batucada a entrada desse edifício, protestando contra o descaso das políticas aos agricultores familiares e empreendedores familiares rurais. Os seguranças do local desviaram a saída do expediente dos funcionários. A previsão é que aconteça ao longo da semana mais atos desse tipo.

Um comentário:

  1. Ora se os servidores do MDA e do Incra são representantes do Governo, não caberia a sua presença como delegados. Se estão descontentes com seus salários o forum para reclamar é outro, eles são pagos para acompánhar e viabilizar os assentamentos, será que estão achando que são homens do campo?

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