por Rodrigo Barrenechea, do Rio de Janeiro
Força Nacional de Segurança isola
manifestantes do hotel onde o leilão
era realizado. (Foto: Rodrigo Noel)
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Ontem, 21 de outubro, a Agência Nacional de Petróleo (ANP), a Petrobrás e o governo federal promoveram a licitação do campo petrolífero de Libra, no hotel Windsor, na Barra da Tijuca, bairro da zona oeste carioca. Libra é considerada a maior reserva petrolífera da bacia de Santos, a “pérola” do pré-sal, com potencial para produzir mais óleo que toda a produção brasileira desde que a exploração do “ouro negro” começou, nos anos 1930.
Mas o que levou a centenas de manifestantes à se enfrentarem com a Força Nacional de Segurança, ontem, em condições claramente desfavoráveis? Por que os petroleiros, que supostamente formam a elite entre os trabalhadores das estatais e que estão divididos em duas entidades sindicais nacionais, entraram em greve por todo o país, colocando suas diferenças políticas de lado?
Duas razões podem ser apontadas num exame inicial: a primeira, é que Libra representa a possibilidade do Brasil não apenas deixar de ser importador de petróleo, mas até mesmo passar a ser exportador. Isso dá uma dimensão mítica às descobertas da Petrobrás na região do pré-sal; imagine-se, o Brasil passaria a ser membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)! Tal riqueza, não apenas geraria enormes recursos em impostos, royalties e lucros à Petrobrás e ao governo, seu controlador acionário, como a exportação do óleo geraria divisas em moeda estrangeira capaz de impulsionar o desenvolvimento tecnológico e industrial do país. Vender, ou “licitar” – segundo o termo adotado pelo governo federal –, seria um contrassenso, pois transfere os lucros do governo para uma ou mais empresas que explorariam as jazidas.
A segunda razão reside na campanha eleitoral de 2010. Quando de sua campanha, a então candidata Dilma Rousseff prometera que não iria, de forma alguma, vender as riquezas do subsolo nacional. Dilma, “mulher forte” do governo Lula e responsável pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tinha sido escolhida como candidata, sem antes ter tido nenhuma experiência em cargos de governo, sendo considerada uma técnica. A eleição de Dilma, em primeiro turno, representou um voto de continuidade, tanto em termos da manutenção da política assistencialista levada por Lula quanto dessa nova forma de privatismo disfarçado, sob os nomes de “concessões”, parcerias público-privadas etc.
Em suma, ao prometer não privatizar, mas ter assim mesmo “licitado” o petróleo de Libra, Dilma teria cometido “estelionato eleitoral”, aos olhos de seus opositores de esquerda – já que PSDB, DEM etc. são tão ou mais privatistas que o PT e aliados –, ou apenas teria trazido parceiros para contribuir ao desenvolvimento nacional, segundo seus aliados. A “prova dos nove” para decidir se isso seria um bom negócio, para o país e para os investidores, seria o resultado do leilão.
A venda de Libra
A licitação, realizada sob os auspícios da ANP – dirigida politicamente pelo PCdoB – pode ser considerada um fracasso, para o governo, ou um negócio literalmente “da China”, para os investidores. Um consórcio formado pela Petrobrás – pelas regras de partilha, sócia compulsória –, a anglo-holandesa Royal Dutch Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC foi o único a apresentar proposta, sendo que gigantes da exploração petrolífera como a Exxon ou a British Petroleum ou não participaram ou não reuniram as condições exigidas para participar da licitação. Um aspecto irônico disso tudo é que as empresas chinesas são ambas estatais; outro é que o valor estimado do campo é no mínimo 250 vezes maior que o pedido pelo governo como lance inicial da licitação.
Fragata da Marinha patrulha orla da Barra durante leilão Foto: Rodrigo Barrenechea |
O consórcio, mesmo tendo arrematado o campo pelo preço mínimo, não tinha os recursos necessários para fechar o negócio. Foi necessário que a Petrobrás entrasse com mais 10%, além dos 30% obrigatórios, para que o grupo reunisse o dinheiro necessário para fechar a transação. No entanto, diversos especialistas afirmam que isso trará problemas sérios para a estatal brasileira, que sofre problemas de fluxo de caixa – ou seja, a carteira da Petrobrás anda vazia, cheia de contas a receber mas com pouco dinheiro vivo.
Os protestosBandeiras de diversos partidos e entidades sindicais e populares estiveram presentes na manifestação Foto: Rodrigo Barrenechea |
Cerca de 400 manifestantes, desde as primeiras horas da manhã da segunda-feira, 21 de outubro, se concentravam nas proximidades da Praça São Propício, a “Praça do Ó”, na Barra, a cerca de um quilômetro do hotel onde ia ser realizada a licitação. Diversas entidades sindicais e políticas estavam presentes, como o Sindicato dos Petroleiros da capital, filiado à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), ativistas da Federação Única dos Petroleiros (FUP), ligada à governista CUT, a Auditoria Cidadã da Dívida, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), e partidos como o PSOL, o PCB, PCR, PCO, PSTU e militantes anarquistas. A manifestação era pacífica e assim pretendia permanecer, mas seus integrantes não pretendiam permanecer impassíveis perante a venda, a preço de banana, da riqueza nacional. Após cerca de uma hora do início do ato, a cerca que separava os manifestantes da Força Nacional de Segurança foi ao chão e o protesto pretendia seguir rumo ao hotel.
No entanto, o que se viu foi uma repressão feroz. A estratégia da FNS não incluía fazer prisões: bombas de gás lacrimogênio, de efeito moral e balas de borracha, algumas de grande calibre, foram lançadas nos manifestantes, fazendo-os recuar uns 300 metros. Tapumes de metal de uma obra próxima, na praça, foram retirados, a fim de formar barricadas defensivas, e duas colunas se formaram na orla, uma formada por militantes do PCO, PCR e anarquistas e outra pelo PSTU. Os militantes do PSTU tiveram um melhor posicionamento, sendo pouco atingidos pelas bombas de gás; já a outra coluna, por ficar mais à frente, recebia as bombas por trás da coluna, sofrendo mais com o gás. Essa foi uma tática escolhida pela FNS, pois o vento estava a favor dos manifestantes e contra a FNS, e os efeitos do gás chegava até mesmo o hotel onde o leilão estava sendo realizado.
O saldo da repressão: um sem-número de bombas de gás e cartuchos de balas de borracha, recolhidos por ativista ao fim do ato. (Foto: Rodrigo Barrenechea) |
A repressão então passou a ser periódica, em intervalos de 30 a 40 minutos. A todo momento, a FNS alertava a imprensa para ficar fora da linha de tiro, já que os profissionais tentavam conseguir um melhor posicionamento para fazer a cobertura do ato, e acabavam sendo atingidos pelas bombas e tiros que eram disparados nos manifestantes. Houve alguns feridos, nenhum com gravidade, sem prisões, e um ponto de ônibus na praça foi depredado, além de algumas lixeiras que foram queimadas, com a fumaça indo na direção da FNP.
Perto das 14 horas, horário do leilão, a manifestação, que já estava bem dispersa, se desarticulou quase que por completo, pois a FNS avançou até a posição dos manifestantes, com a intenção de acabar com o ato. Boa parte dos ativistas buscou refúgio na praça, “área neutra” conseguida após acordo do Sindipetro com a FNS, que cercava a praça. Ali, após algumas falas de ativistas e representantes de entidades, o ato foi encerrado, mas assim mesmo a FNS permaneceu, por algum tempo, investindo contra os manifestantes que permaneciam na orla.
Uma frase se repetiu nos discursos daqueles que se manifestavam: que a luta não estava encerrada. Assim como outros campos petrolíferos ainda irão ser licitados, a intenção dos ativistas é suspender a licitação de ontem, tanto por meios legais quanto nas ruas. Um exemplo dessa disposição é a forte greve petroleira, que se iniciou na semana passada e que cresce a cada dia, pedindo por reajuste nos salários – sem aumento real há vários anos – e pelo cancelamento imediato da licitação. Como os petroleiros de Macaé cantavam no ato, em desafio aos policiais, “nossa munição é parar a produção”.
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