quarta-feira, 25 de junho de 2014

Qual é o segredo do sucesso do Chile?

por Rodrigo Barrenechea*, da Redação

Campanha nas redes sociais aproveita declaração
de Eduardo Paes para "engrossar" a torcida argentina
  Em toda Copa do Mundo, os brasileiros escolhem, além de sua própria seleção, outro time para torcer. Normalmente é um país mais fraco, que nunca tenha sido campeão. Isso tem várias razões: simpatia pelos "menores", rivalidade com outras grandes potências do futebol, encanto com uma equipe que esteja jogando bem. A Argentina, grande rival do Brasil - para quem normalmente se torce "contra" - tem recebido simpatia desde que o prefeito do Rio, Eduardo Paes, prometeu cometer suicídio no caso dos "hermanos" chegarem ao título. A
Costa Rica e a Colômbia, por conta de seu belo futebol, tem sido bastante elogiadas, recebendo o carinho da torcida. De forma geral, esta Copa tem sido dos latino-americanos - incluindo-se nesse grupo a presença alienígena dos EUA -, muito mais que de africanos ou europeus. Contudo, uma equipe vem se destacando tanto nos aplausos dos críticos quanto no carinho das pessoas: o Chile.


  Mas o que "La Roja" tem de diferente? Chile e Brasil tem tanto semelhanças quanto diferenças, tanto no futebol quanto na sua condição como países pobres. Ambos fazem parte da América Latina, tem sérios problemas sociais e passam por processos de luta política em seus países. Os dois são governados por coalizões entre partidos da esquerda tradicional e da centro-direita, no que se chama no jargão uma "frente popular". Os dois vivem, nos últimos anos, importantes mobilizações populares, especialmente em torno do tema da educação. Porém, há diferenças importantes. Para citar algumas: no mesmo tema da educação, enquanto aqui se briga por melhores salários e condições de trabalho para professores e funcionários, no Chile se luta pela gratuidade da educação superior. Isso mesmo! Por lá, as universidades públicas cobram pela educação, não apenas aos mais ricos, mas a todos os alunos. Já no futebol, enquanto a amarelinha já mostra 5 estrelas de campeão em seu uniforme, o Chile chegou a um honroso 3º lugar em 1962, quando foi o país-sede. Em termos de tradição, a distância é gigantesca.

Coragem vestida de vermelho

  Essa lista comparativa não responde a pergunta. O que faz o Chile ter essa fama toda, ao ponto do técnico brasileiro Felipão ficar desde o ano passado ficar falando do perigo do time de Vidal, Alexis Sánchez & cia.? Mais ainda: por que uma parte da torcida daqui resolveu apoiar os chilenos?

  Creio existirem duas posições distintas. Para a maioria das pessoas, que viu o Chile eliminar a campeã Espanha e enfrentar o carrasco do Brasil em 2010, a Holanda, a seleção treinada por Jorge Sampaoli mostra a organização tática e a vontade que não é vista na amarelinha. Isso é inquestionável. O Chile joga bonito, é bem treinado, joga com vontade de vencer. Isso mesmo tendo um "sócio" das sandálias havaianas, o palmeirense Valdívia.

Mesmo com estrelas do futebol internacional, como o atacante do Valência Eduardo Vargas, não se vêem helicópteros ou quadriciclos circulando pela Toca da Raposa, a concentração vermelha em Belo Horizonte. O que o torcedor comum vê no Chile é a disposição e a humildade que não vê no Brasil.


Nos bares da Lapa, torcedores brasileiros aderem à
campanha #somostodoschilenos
  Um episódio pode ser esclarecedor para se entender isso. Após Espanha X Chile, jogo realizado no Maracanã, a Lapa - bairro boêmio no centro do Rio - foi invadida pela torcida "vermelha". O canto tradicional - "Chi-Chi-Chi le-le-le... Viva Chile!" - podia ser ouvido a todo momento. O singular aqui é que os cariocas que estavam por lá naquele dia se juntavam aos seus colegas chilenos, nos gritos e nos elogios aos corajosos jogadores, que impuseram uma vitória aos campeões do mundo de 2010. A "maré vermelha" contagiou o Rio.

Um exemplo que leva a pensar

  Para uma minoria, contudo, há outras razões para se torcer. A Copa no Brasil não é para os brasileiros. Não para a maioria deles. O preço dos ingressos, as remoções forçadas de moradores, as obras apressadas e sem grande utilidade posterior, tudo o que vem sendo chamado de "legado da Copa", nada disso tem sido destinado ao brasileiro comum. Com uma grande exceção: a repressão. Essa tem atingido sim os mais pobres. A frase, pouco repercutida pela grande imprensa mas muito importante para quem mora nas comunidades, explica tudo. Para o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, "a política de pacificação é o
Jogadores do Chile aderem à campanha pela educação
pública e gratuita, em foto divulgada pela líder
estudantil e deputada chilena Camila Vallejo
grande legado da Copa". Essa política é a mesma que mata pobres nas favelas, que cerca passeatas, que forja flagrantes para prender manifestantes. Ou que "controla" torcedores argentinos com gás de pimenta em Copacabana. Que deporta sem direito à defesa os 85 torcedores chilenos sem ingresso que invadiram o Maracanã. Que impede os moradores no entorno do Maracanã a usar o Metrô para chegar em casa em dias de jogos. Que impede os jornalistas de trabalhar, ou que os prende ao fazer sua cobertura, como no caso da repórter d'O Globo, presa pela PM após flagrar a truculência policial contra um argentino flagrado urinando na rua.


  Para os brasileiros que discordam disso, o Chile se apresenta como uma alternativa. Não que nosso vizinho seja uma maravilha. É um país tão ou mais injusto que o nosso. Os "carabineros" de lá são tão brucutus quanto nossa PM. Mas é nas lutas de seu povo que essas pessoas se espelham. É nas passeatas que reuniram milhares por educação universitária gratuita que essa "minoria" se vê. Nos jogadores da "roja" que vestiram a camisa das lutas estudantis. É na vontade de romper com o passado da ditadura, colocando os torturadores na cadeia, que nos vemos, e não apenas investigar sem punir. É numa aliança de "los de abajo" que alguns brasileiros abrem mão de torcer pela seleção. É porque entendem que essa seleção daqui é mais da CBF, dos cartolas e da toda-poderosa FIFA do que do povo. Para eles, o Chile é mais "povão" que a amarelinha. Claro que neste sábado isso tudo pode vir abaixo, quando Chile e Brasil se enfrentam nas oitavas-de-final. Mas, como está escrito na gola do uniforme chileno, ela é "la roja de todos".

* Rodrigo Barrenechea - jornalista e professor, é chileno, vivendo no Brasil há mais de 40 anos, e exilado político da ditadura Pinochet.

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