por Adriano Espíndola Cavalheiro, de Uberaba (MG)
Essa semana, pela gravidade dos fatos de seu conteúdo, compartilho com leitores de minha coluna aqui na Anota, não um texto de minha autoria, como faço semanalmente, mas texto de autoria do movimento estudantil da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro), que traz um retrato dramático da situação na referida Universidade, localizada em Uberaba, Minas Gerais.
CARTA ABERTA À COMUNIDADE DA UFTM E À POPULAÇÃO DE UBERABA
A Universidade Federal do Triângulo Mineiro há anos vem enfrentando um grave processo de precarização materializado na falta de professores, políticas de permanência estudantil ineficientes, infraestrutura insuficiente para a consolidação dos cursos abertos pelo REUNI, entre diversos outros problemas, os quais prejudicam não apenas o corpo discente da UFTM, mas toda a comunidade, inclusive, os usuários do Hospital de Clínicas da UFTM. Para se ter uma idéia, faltam até mesmo materiais básicos como gazes ou sabonete para dar banho nos pacientes do hospital. A situação é tão grave que não está descartada a possibilidade de que alguns cursos paralisem as suas atividades nos próximos semestres pelas péssimas condições de funcionamento, inclusive, com prejuízo na formatura dos estudantes, devido à impossibilidade de realização de estágios e cumprimento de carga horária mínima.
Apesar dessa situação nos campi da universidade em Uberaba, que envolve também a falta de professores, exigir toda a atenção e esforços daqueles que dirigem a UFTM para solucioná-los, encontra-se em andamento projeto de expansão da Universidade para as cidades de Araxá e Iturama. É importante ressaltar que não somos contrários à instalação de campi nestas cidades, mas apenas que entendemos que se os problemas que assolam a UFTM em Uberaba não forem resolvidos antes da expansão pretendida, os novos campi enfrentarão problemas iguais ou piores dos que aqueles que enfrentados aqui. Por isto defendemos que os problemas da sede sejam minimamente solucionados antes que se parta para a abertura de novas unidades na região.
Além disso, sem qualquer consulta ao Conselho Universitário, a Reitoria firmou contrato com a EBSERH, uma empresa S/A, que apesar de ser, no momento atual, majoritariamente do governo federal, vai gerir o Hospital da UFTM, não como um hospital escola para ampliar a qualidade do ensino ministrado aos estudantes, mas atuando como qualquer outra empresa privada, ou seja, visando que o Hospital seja uma ferramenta não de busca da qualidade no ensino, mas do lucro.Diante desta realidade caótica, o Movimento Estudantil da UFTM vem há alguns meses organizando atividades de mobilização, colocando em evidência as reivindicações como a necessidade de mais professores, fim do atraso no pagamento dos auxílios, finalização do Restaurante Universitário, reavaliação da abertura dos campi em outras cidades.
Entrementes, as várias reuniões realizadas com a administração da UFTM não surtiram nenhum efeito prático, o que alimentou a cada vez maior insatisfação dos estudantes com a incapacidade da Reitoria de apresentar soluções, culminando com a ocupação do Centro Educacional da Universidade pelo Movimento Estudantil. Apesar de muito criticada, essa foi a única ação, em vários meses, que trouxe conquistas à comunidade acadêmica, como a questão da sede do DCE, a deliberação favorável do Conselho Universitário à transferência de 35 vagas de docentes dos campi fantasma de Araxá e Iturama para Uberaba e uma reunião com representantes do MEC em Brasília em 20/02/2014. Durante essa reunião, porém, foi negada pelo MEC a transferência destas 35 vagas, um golpe extremamente duro sobre as esperanças de aliviar, ainda que emergencialmente, a falta de professores nos cursos mais necessitados.
Durante o mês de março deste ano, após o período de férias, o Movimento Estudantil iniciou novamente o trabalho de mobilização entre os estudantes, debatendo as pautas de reivindicações, inclusive, se articulando para que se desse a convocação de uma reunião extraordinária do CONSU (Conselho Universitário), a fim de que o Reitor prestasse esclarecimentos sobre a reunião no MEC e de que os conselheiros discutissem propostas para a solução de parte dos problemas que a UFTM tem enfrentado, em especial aqueles que vêm prejudicando o corpo discente e denunciado pelo Movimento Estudantil. Para tanto fizemos um grande e exaustivo esforço, o qual resultou na coleta das 22 assinaturas de membros do Conselho necessária para a convocação da reunião extraordinária.
O requerimento de convocação foi protocolado na Reitoria no dia 14/04/14, em conformidade com o Regimento Geral da Universidade. No entanto, para a surpresa de todos, na manhã do dia 16/04/14 (quarta-feira), para o qual havia sido marcada a reunião do Consu, os conselheiros receberam, por e-mail, o aviso de que a mesma havia sido cancelada. O motivo, segundo a Reitoria, foi o pedido de retirada de assinatura pela convocação extraordinária, por alguns membros do Conselho. Supostamente, essa retirada de assinatura teria se dado como repúdio à iniciativa dos estudantes que fizeram a remoção das cadeiras das salas de aula, com a intenção de paralisar as aulas e permitir a participação de professores e alunos na reunião do CONSU.
Aqui vale abrir um parêntese para prestar duas informações. Primeira: contrariamente às informações que vêm sendo veiculadas, não há nada no Regimento Geral da UFTM que permita a retirada de assinaturas dos conselheiros depois de convocada a reunião ou que essa retirada resultaria no cancelamento desta. O reitor poderia, perfeitamente, manter a reunião, onde democraticamente os conselheiros insatisfeitos poderiam manifestar seu descontentamento, mas com a garantia aos estudantes de exporem suas razões, ou seja, esclarecimentos que poderiam mudar a opinião dos descontentes. Entretanto, optou-se pelo arbitrário cancelamento da reunião. Em segundo lugar, vale esclarecer, ainda, que não houve nova ocupação do Centro Educacional pelo Movimento Estudantil, mas apenas uma vigília, na véspera da reunião do CONSU, para exigir que essa fosse realizada. Em momento algum a Universidade perdeu a posse do Centro Educacional.
Além disso, foi sistematicamente divulgada na mídia a insinuação de que o movimento dos estudantes é motivado por interesses nas eleições para a reitoria e manipulado por grupos que se opõe à atual gestão. Isso é um verdadeiro absurdo, uma demonstração de completa subestimação da capacidade dos estudantes em debater políticas educacionais e de se organizar autonomamente em busca da construção de uma Universidade pública, que atenda, de fato, o seu papel social de formar profissionais críticos e de corresponder às demandas da comunidade.
Da mesma forma repudiamos e denunciamos a criminalização do movimento estudantil pela direção da UFTM, com a perseguição e processo de diversos estudantes. Hoje, ainda que não tenha se dado qualquer processo administrativo interno para apurar a participação de quem quer que seja na ocupação e, ainda, inexistindo qualquer depredação do patrimônio público - mas tão apenas intervenções artísticas nas paredes do Centro Educacional (intervenções essas que se dão na maioria das Universidades do País) – a Reitoria encaminhou nomes de alguns estudantes para a Polícia Federal e para a Justiça Federal, como se os mesmos houvessem praticado depredação do patrimônio público ou desobedecido ordem judicial. Os nomes enviados são os de estudantes que têm questionado as opções da direção da Universidade e cobrado solução efetiva dos problemas que a assolam.
Ademais, a Reitoria fez instalar câmeras com o óbvio propósito de inibir futuras manifestações estudantis, sinais de como há pouco interesse na manutenção do diálogo por parte da direção da UFTM.
Denunciamos, também, serem inverídicas as afirmações da assessoria de comunicação da Reitoria, no sentido de que as reivindicações estudantis foram atendidas. Informações estas publicadas na mesma semana em que dois cursos da UFTM receberam a notícia de que, em breve, perderão professores temporários que, juntos, ministram aproximadamente 20 disciplinas, além de que mais atividades seriam suspensas.
Todo o quadro até aqui descrito gera indignação e revolta entre estudantes, muitos dos quais correm o risco de não se formarem, que veem, a cada dia, o crescente sucateamento da Universidade. Por isso, um protesto, em frente à casa do Reitor, foi realizado na mesma quarta-feira em que foi cancelada a reunião do CONSU. A realização desse protesto e dos anteriores pelo movimento estudantil, são tentativas, gritos de socorro, em defesa da Universidade. São desfechos de um processo de enfrentamento e de grande crise de representatividade. Por tudo o que aqui relatamos, o Movimento Estudantil não reconhece a atual gestão como defensora das necessidades da UFTM em âmbito federal e sim o contrário, que é evidenciado pelas condições precárias que a Universidade tem oferecido a seus estudantes, professores, servidores e também à comunidade.
É insustentável a persistência na ideia de construção de novos campi enquanto os problemas em Uberaba, ao invés de solucionados, se agravam. Durante os últimos meses foram organizadas diversas manifestações por reivindicações justas. Cada ação, porém, é fruto de um momento específico e de contradições com as quais as pessoas envolvidas tiveram que lidar, buscando sempre formas alternativas de expressão. A luta pela educação pública é também um processo pedagógico, que nos permite aprender com cada movimento e nos possibilita vislumbrar novos caminhos, ela continua e é de todos nós!
Finalizamos, exigindo a imediata convocação de nova reunião do CONSU, para debater as pautas e reivindicações do Movimento Estudantil e conclamando toda a comunidade acadêmica, ou seja, professores, estudantes e servidores técnicos administrativos da Universidade, além de toda a comunidade de Uberaba, para defender a UFTM conosco e exigir o fim dos processos de criminalização dos ativistas do movimento estudantil.
Uberaba, outono de 2014.
Movimento Estudantil da UFTM
Fonte: https://www.facebook.com/movimentoestudantiluftm?fref=n
Adriano Espíndola Cavalheiro é advogado militante e articulista da Agência de Notícias Alternativas. Mantém o blog Defesa do Trabalhador - (blog integrante da rede ANOTA). É militante da CSP- Conlutas. Contato: defesadotrabalhador@terra.com.br
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