segunda-feira, 24 de março de 2014

Fim de semana de encontros prepara as lutas para o período da Copa

Por Rodrigo Barrenechea, enviado especial da ANotA, de São Paulo




Estes dias foram marcados pela presença maciça de ativistas de todo o país. Em pauta, as lutas durante a Copa do Mundo e no decorrer de 2014, por mais investimento em educação, saúde, habitação e combate ao racismo e à violência contra a mulher. E como adversário principal nesta partida, a FIFA e o governo Dilma Rousseff, que lucrarão bilhões enquanto as principais necessidades da população ficarão em segundo plano.


O fim-de-semana de encontros começou na sexta, dia 21/03, com a VIII Assembleia Nacional da ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre), entidade filiada à Central Sindical e Popular-Coordenação Nacional de Lutas, a CSP-Conlutas. A reunião estudantil foi realizada na Tenda Ortega y Gasset, no campus Butantã da Universidade de São Paulo, e reuniu perto de mil estudantes de todo o país. As principais discussões giraram em torno da defesa da educação pública, no enfrentamento às opressões presentes no sistema educacional do país – como o machismo, a homofobia e o racismo – e a estratégia de construção da entidade no movimento estudantil, face à questão de que a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), entidades atualmente hegemonizadas pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), são sustentáculos do governo Dilma e, por exemplo, não se opõem à realização da Copa do Mundo no Brasil, nem fazem críticas mais agudas às prioridades no investimento feitos pelos governos.

Na mesa de abertura da assembleia, participaram diversas entidades sindicais e populares, como o sindicato nacional dos docentes universitários, o ANDES-SN, o Movimento Mulheres em Luta, o Quilombo Raça e Classe, o Movimento Luta Popular – que reúne os ativistas de associações de moradores de bairros e favelas do país –; além destas, o Levante Popular da Juventude – ligado à Consulta Popular, a Juventude Na Rua, da corrente interna do PSOL Insurgência, e os militantes do Território Livre saudaram a realização do encontro. Teve destaque a participação de Thando Manzi, geógrafo sul-africano, que participou ativamente das lutas contra a Copa do Mundo em 2010.

Como ápice das discussões, que se estenderam por toda a sexta-feira, foram votadas as campanhas e atividades que a ANEL vai organizar neste ano, assim como foi eleita a Comissão Executiva Nacional, que vai dirigir a entidade no próximo período e preparar a mobilização estudantil por mais verbas para a educação e contra a repressão durante a Copa. Houve uma importante participação dos estudantes secundaristas – já que a ANEL, diferente da UNE e da UBES, agrupa alunos de todos os níveis da educação –, assim como um significativo aumento da participação nesta assembleia em relação à anterior, realizada em 2012 no Rio de Janeiro.


Encontro do Espaço de Unidade de Ação reúne ativistas de norte a sul


No sábado, foi a vez de realizar o Encontro do Espaço de Unidade de Ação. Este fórum reúne diversas entidades, como a CSP-Conlutas, a CUT pode mais (uma corrente interna de oposição à atual direção da Central Única dos Trabalhadores), a  Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – Condsef, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas – COBAP, a Associação Nacional de Docentes no Ensino Superior – ANDES/SN, o Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul – CPERS, o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, o Jubileu Sul Américas, a Federação Nacional dos Servidores na Previdência Social – FENASPS etc., além de ativistas de diversos sindicatos, ocupações de terra, tanto urbanas quanto rurais, grêmios, diretórios acadêmicos e diretórios centrais de estudantes, assim como militantes de partidos e organizações políticas da esquerda.

A realização do encontro esteve ameaçada. No decorrer da semana que o antecedeu, a revista Veja, por meio de seu site de internet, publicou artigo calunioso, que associou o encontro às organizações adeptas da tática Black Bloc e a torcidas organizadas da cidade, já que o evento havia sido marcado na quadra da escola de samba Mancha Verde, ligada à torcida palmeirense de mesmo nome. Como isso, o contrato firmado foi rompido e nenhum outro local com grande estrutura se dispôs a receber o encontro. Da mesma forma, indagados se o evento podia ser realizado num local público, prefeitura e governo do Estado negaram o
pedido.

A solução foi transferir o encontro para o Sindicato dos Metroviários, um local bem menor, que já iria receber a atividade do dia seguinte, o I Encontro de Negros e Negras da CSP-Conlutas. Apesar do aperto, a boa-vontade dos participantes e o esforço da organização garantiu que o evento transcorresse com sucesso, mesmo contanto com a presença de quase 3 mil pessoas lá.


A dinâmica foi a mesma seguida no dia anterior, com uma mesa de abertura, seguida de grupos de discussão e, após estes, votação das resoluções do encontro pelos participantes. Contudo, houve uma diferença. Logo após os grupos, organizou-se uma rápida passeata pela Avenida Radial Leste, uma das principais daquela região da cidade. Além da consigna que marcou o encontro – Na Copa vai ter luta! –, a marcha teve a importante característica de ocorrer no mesmo dia que a reedição, após 50 anos, da Marcha com Deus, pela família e liberdade, ato que antecedeu diretamente o golpe de 1964 que derrubou o presidente João Goulart. Enquanto poucas centenas de pessoas participaram do evento direitista, os quase 3 mil ativistas realizaram uma bonita manifestação, com suas bandeiras, faixas e punhos levantados.

O Encontro votou um conjunto de campanhas políticas a ser realizadas neste ano, especialmente no período que antecede à Copa, como “Chega de dinheiro para a Copa, Fifa e para as grandes empresas! Recursos públicos para a saúde e educação! 10% do PIB para a educação pública, já! 10% do orçamento federal para a saúde pública, já!” ou “Basta de violência, repressão e criminalização das lutas sociais! Desmilitarização da PM!  Arquivamento de todos os inquéritos e processos contra movimentos sociais e ativistas! Liberdade imediata para todos os presos! Revogação das leis que criminalizam a luta dos trabalhadores e da juventude! Ditadura nunca mais!”, além de uma série de manifestações, com destaque para o dia de abertura da competição esportiva. No final do dia, uma grande festa foi realizada, o que deixou os presentes felizes, mesmo que uma boa parte deles estivesse cansada da viagem de ida à São Paulo e das discussões realizadas durante o evento.

I Encontro de Negras e Negros é marcado pela emoção


O domingo, último dia das atividades do fim-de-semana, recebeu o inédito Encontro de Negras e Negros da CSP-Conlutas, o primeiro realizado pela central sindical. Um ponto importante aqui é que a CSP realiza com frequência eventos semelhantes, já tendo organizado anteriormente o I Encontro do MML e do setorial LGBT da entidade; uma característica que a diferencia das outras centrais sindicais, que minimiza a discussão sobre opressões, limitando-se a organizar, no máximo, encontros de categorias profissionais específicas, por exemplo.

Os cerca de mil e quatrocentos participantes tiveram também um dia cheio. Da mesma forma que no dia anterior, importantes categorias em luta marcaram presença, como os garis do Rio – que saíram de uma vitoriosa greve que dobrou o prefeito Eduardo Paes –, os de Niterói, neste momento em greve, e os trabalhadores da obra do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), que não apenas perduram por quase 50 dias em greve como enfrentam sua própria direção sindical, contrária ao momento (da mesma forma que os garis do Rio). A jornada começou também com uma mesa de abertura, seguida de grupos de discussão e de votação em plenária das resoluções do encontro.

Dois foram os temas principais das decisões do dia: a realização de campanhas políticas contra o racismo, centradas na criminalização dos movimentos sociais e da violência policial nas favelas, assim como no preconceito presente na sociedade, vista por exemplo na repressão aos rolezinhos; e um esforço de organização sobre a questão negra nas entidades filiadas à CSP, garantindo a existência de diretorias dedicadas ao assunto nos sindicatos, diretórios acadêmicos etc., a presença nas datas comemorativas da temática (20 de novembro, 13 de maio) e a um censo entre as bases das categorias de influência da central, de forma a melhor compreender sua composição racial e social.

No entorno do sindicato dos metroviários, tanto no sábado quanto no domingo, uma série de banquinhas foi montada, vendendo desde livros e roupas a produtos típicos das regiões presentes nos encontros. Uma das que mais fez sucesso foi a de penteados afro, muito procurada pelos que lá estavam. Em resumo, um fim-de-semana emocionante e produtivo para aqueles que se propõem organizar as mobilizações nesta virada do primeiro para o segundo semestre de 2014. Por que, com toda essa disposição, é certo afirmar que “Na Copa vai ter luta!”.

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