sábado, 25 de agosto de 2018

Mesa sobre educação e reformas abre III ENE gaúcho

Por Rodrigo Barrenechea, direto de Porto Alegre

Teve início na noite desta sexta (24) a Etapa gaúcha do III ENE (Encontro Estadual de Educação). Cerca de 250 pessoas se reuniram no auditório da Escola Técnica Parobé, no centro de Porto Alegre. O tema central desta edição é a construção de um projeto classista, democrático e socialista para a educação brasileira. Num primeiro momento, houveram as saudações ao Encontro, de entidades como os núcleos de oposição do CPERS, movimentos de luta contra a opressão - como o Movimento Mulheres em Luta e o Quilombo Raça e Classe, ambos da CSP-Conlutas - e partidos políticos, como o PSTU.

Cerca de 250 pessoas lotaram o auditório da Escola Parobé, em Porto Alegre


Passado isso, constituiu-se a primeira mesa, que discutiu o tema "Capitalismo, Trabalho e Educação", com a professora da UFF Eblin Farage, pelo ANDES-SN, Joaninha de Oliveira, professora aposentada da rede estadual de educação de Santa Catarina e representando a Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas e Gustavo Coelho, professor da rede municipal de educação de Porto Alegre e do Coletivo Alicerce.

Crise e mercado no ensino superior

Eblin, discutindo a educação no âmbito das universidades, saudou a etapa gaúcha do ENE, inserindo-o no quadro das diversas etapas que vem se realizando nos estados, e que apontam para a etapa nacional, a ser realizada em 2019. Segundo ela, a educação não deve ser pensada de forma separada do contexto da sociedade. Isso fica ainda mais evidente num contexto onde o capitalismo passa a encarar a educação como mercadoria, que é vendida e passível de produzir lucros. Esse processo de mercantilização da educação, segundo a professora, responde a uma necessidade de resolução das crises cíclicas do capitalismo, onde torna-se necessário a abertura de novos mercados e novas formas de obtenção de riquezas. É nesse sentido que se pode entender como um grupo como o Kroton-Anhanguera passe a dominar cerca de 60% da educação superior brasileira, enquanto as universidades públicas hoje em dia apenas respondem por aproximadamente 20% das vagas universitárias.

Esse processo de mercantilização, que passa por privatização, terceirização e precarização, seria controlado e formulado por organismos internacionais, como a ONU, a UNESCO e o Banco Mundial, tendo a Convenção de Bolonha seu momento crucial. É a partir do governo Fernando Henrique Cardoso que o setor privado avança sobre a educação, mas é, em especial, nos governos do PT que isso se intensifica. Um exemplo é o caso da Unicamp, onde mais de 30 fundações de direito privado arrecadam recursos por meio da captação de verbas e da cobrança de mensalidades dentro de uma instituição pública de ensino.

Para Eblin, nesse tempo todo contrapõem-se dois projetos de educação: um encampado pelos trabalhadores da educação e pelos movimentos sociais, e outro, privatista e mercantilista, pensado pelo setor privado, que pensa a educação de forma acrítica, voltada ao mercado e à formação de mão-de-obra com baixa especialização. Nas universidades, isso pode ser visto, por exemplo, pela diminuição da carga horária em graduações e pós-graduações, pelo crescente uso de professores voluntários e pela disputa interna por recursos de editais e bolsas de pesquisa. Segundo ela, "a universidade tenta formar mão-de-obra barata e pouco qualificada para o mercado. É o trabalho precário para um mercado de trabalho precário". O tripé ensino/pesquisa/extensão é duramente atacado; faltam recursos para o funcionamento das universidades; a lógica prdutivista adoece o professor. A Emenda Constitucional nº 95 piora ainda mais a situação, ao impôr uma lógica de recursos escassos e de gestão capitalista. A reforma trabalhista faz avançar o trabalho terceirizado. Aumenta o assédio moral e sexual sobre os trabalhadores da educação. O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2007 no governo Dilma Rousseff, retirou a discussão de gênero dos currículos escolares e universitários. Isso leva a conclusão de que o "nosso desafio é nos apropriar dos fundamentos da realidade brasileira, do capitalismo, para construir um projeto de educação para todos e que aponte para um processo de emancipação humana", arrematou a professora.

Ensino médio e as BNCC

Para falar das mudanças recentes no ensino médio, Joaninha de Oliveira começou ressaltando que o caráter da crise que o capitalismo passa - e que, de alguma maneira, a reforma do ensino médio tenta responder - é estrutural. O crescimento econômico das nações mais ricas tem sido ínfimo, levando a um ataque mundial aos direitos dos trabalhadores. No entanto, há resposta por parte dos trabalhadores: 27 universidades argentinas estão em greve neste momento.

O ataque aos direitos dos trabalhadores da educação, segundo ela, é internacional. Em recente encontro da Rede Internacional Sindical de Solidariedade e Lutas, na Espanha, o relato é que os ataques são generalizados. Um exemplo é o da Itália, onde dos 2,7 milhões de trabalhadores da educação, cerca de 800 mil são contratados a título precário. O Canadá retirou do currículo as disciplinas Educação Física e Filosofia.

Para ela, é importante ressaltar que as Bases Nacionais Curriculares Comuns são diferentes dos Parâmetros Curriculares Nacionais aprovados no governo FHC. Segundo Joaninha, as BNCC começam no governo Dilma. Mas esses projetos significam, de alguma maneira, uma continuidade de ações como os Acordos MEC-USAID (Iniciativa Norte-Americana para o Desenvolvimento), que tinham como intenção abrir a educação brasileira às empresas transnacionais. Nas palavras dela, "as BNCC são o desmonte da educação básica".

Mas no que consiste a reforma do Ensino Médio? Até o 3º ano, apenas Matemática e Português seriam disciplinas obrigatórias; todo o resto seria preenchido pelos chamados "itinerários formativos", de caráter optativo e que não seriam oferecidos em todas as escolas. 40% do ensino poderia ser oferecido à distância; todo o currículo flexível poderia ser oferecido por entidades privadas. Cai a obrigatoriedade das licenciaturas no magistério, podendo ser contratados professores com "notório saber", como é no Sistema "S" (Senac, Senai etc.). Nas palavras dela, "quem quiser educação vai ter que comprar. Mas os mais pobres não vão ter como comprar".

Outro aspecto dessa reforma é a militarização das escolas. Entre 2013 e 2018, houve um crescimento de 212% nas Escolas Militarizadas (Goiás foi o pioneiro nesse processo). Nesse sistema, há cobrança de mensalidades, os professores ganham bônus por desempenho (no caso, a disciplina militar é mais importante que o saber) e o uniforme escolar é substituído por fardamento. Seria uma resposta ao aumento da violência urbana, mas que não pensa a sua solução em termos de diminuição da pobreza e investimentos sociais.

É nesse contexto ideológico que projetos como o "Escola sem Partido" se apresentam. E o resultado já começa a aparecer: surgem os primeiros processos adminstrativos contra professores por não cumprir as regras da proposta. Da mesma forma, começam a aparecer as demissões como resultado da Reforma Trabalhista. O tripé Precarização/Escola sem Partido/Reformas leva a uma onda de exonerações, doenças do trabalho e desemprego no setor. Mas aparecem fissuras: a recente saída do presidente do Conselho Bicameral adjunto ao Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari, disparando críticas às BNCC e à Reforma do Ensino Médio, é apenas um indício de que novas oposições surgirão. Para Joaninha, essa reforma será derrotada, a partir da união entre pais, alunos e trabalhadores da educação.

Greve na educação municipal porto-alegrense e a luta contra a precarização

Encerrando o painel, Gustavo Coelho, professor da rede municipal, ressaltou o momento de luta que a categoria vive. Há 25 dias que os servidores municipais da Prefeitura de Porto Alegre estão em greve contra os ataques da gestão Nelson Marchezan Júnior. Para a educação da cidade tem-se o mesmíssimo projeto que para as esferas federal e estadual: precarização, privatização e ataques à autonomia pedagógica das escolas.

Para o professor, é a partir do que ele chama de "sequestro da direção intelectual da educação pelo empresariado" que se articula o projeto educacional da prefeitura da cidade. A proposta de uma educação universalista e igualitária vem sendo substituída por uma perspectiva privatista e empresarial. Isso pode ser visto, no âmbito pedagógico, na adoção de um discurso baseado em conceitos como "competências e habilidades", típicos da linguagem empresarial de gestão - e que começa no governo do PSDB e passa pelos do PT, na esfera federal. Nesse contexto, a escola passa apenas a servir como meio de aplacar conflitos sociais e como local de formação de mão-de-obra para o mercado.

Os cortes no financiamento, assim como sua lógica, acabam levando a que diretores atuem como verdadeiros gestores. Isso vem, segundo ele, de iniciativas como o "Todos pela Educação", que foi quem propôs essa política de "agenda de metas" tão presente no PNE de 2007. Outro aspecto dessa política são as avaliações externas, como o IDEB, que tiram o protagonismo do processo de avaliação de educadores, alunos e pais e o coloca sob a lógica empresarial. Associado a isto, dá-se o processo de precarização da educação, que destrói a carreira docente - os docentes já estão há 2 anos sem reajuste -, e o modelo de contratação por terceirizações, que precariza o trabalho e submete os trabalhadores a um triplo assédio moral: da prefeitura, das empresas e dos diretores de escola. O avanço das Organizações Sociais, a partir de 2015, revela uma face cruel: enquanto educadores e alunos são avaliados externamente, as OS's não passam por nenhum tipo de classificação. Atualmente, a situação é tal que todos os serviços de limpeza e alimentação são terceirizados na cidade, levando a uma superexploração do trabalho e a uma futura extinção dos funcionários concursados, que progressivamente seriam substituídos por terceirizados.

E a resistência? Além de espaços como o ENE - onde um projeto alternativo de educação é pensado -, é em momentos como a atual greve dos municipários que a luta por uma educação democrática cresce. É no diálogo com pais, alunos e trabalhadores que pode ser construído um projeto realmente compromtetido com o interesse da maioria e não dos que apenas querem lucrar com a educação.

As atividades do III ENE RS prosseguem neste sábado, com o painel "Experiências de educação popular no Capitalismo" e os grupos de discussão temática. O evento se encerra na manhã deste domingo, com a plenária final.

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