sábado, 25 de agosto de 2018

Mesa e debates em grupos marcam segundo dia do ENE-RS

por Rodrigo Barrenechea, direto de Porto Alegre

O segundo dia do III ENE RS começou com o painel "Experiências de educação popular no Capitalismo", onde se discutiram as formas de resistência ao projeto mercantil de educação. A mesa contou com Vladimir Mota, da Frente Quilombola, Karahy Tiaguinho, vice-cacique da aldeia indígena de Maquiné, Daiane Marçal, educadora e agricultora no Assentamento Madre Terra, em São Gabriel, e os estudantes Gabito Fernandes, da juventude do PSTU e estudante de História da PUC-RS, e Julia Maria, do Coletivo Alicerce e estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, falando das ocupações estudantis nas escolas secundárias e nas universidades.

Quilombos e educação afrocentrada



Os debates começaram com a  exposição do
representante da Frente Quilombola
Vladimir Mota, representando a Frente Quilombola, contou sua experiência nos 6 quilombos que a Frente atua. Especialista em capoeira, ele fala da função desta como elemento de mobilização. Oralidade e troca de experiências, por exemplo, são elementos constituintes de uma forma de compreender a educação diferente do modelo vigente nas escolas. Segundo ele, a capoeira passa por um momento de europeização, de embranquecimento, que prejudica um olhar diferente na educação. O projeto que a Frente toca, o "Sangue que circula", se propõe a ensinar capoeira partindo de uma narrativa, um contar de história que coloca a troca de saberes como centro de um aprendizado coletivo. Isso parte de uma concepção de educação que Mota chama de "afrocentrada", baseada na interação entre educador e educando, colocando-os em pé de igualdade. O objetivo aqui é reeducar nossos preconceitos e realizar a troca do que ele chama de "escuta técnica" - que pressupõe um retorno por meio de formas de avaliação - por uma "escuta orgânica", baseada na compreensão, sem a necessidade dessa devolução de forma compulsória.

O resgate da identidade indígena na educação

Para Karahy Thiaguinho, da Aldeia Guarani de Maquiné, é fundamental o resgate, na educação indígena, dos valores dos povos originários. A cultura dos índios é riquíssima e deve ser valorizada e redescoberta, face a um passado de imposição da
cultura branca, ocidental, sobre os povos indígenas na educação. Segundo Karahy, hoje em dia as crianças pedem para aprender a língua e a cultura, num processo de resgate dos valores dos índios. Para ele, a educação na aldeia pressupõe uma forma de organização absolutamente diferente; na verdade, toda a aldeia é uma escola. É a "teko-ha", onde "teko" é o modo de vida compartilhado na aldeia. Isso se contrapõe ao que se vivia antes, quando os índios iam às escolas dos brancos e isso resultava numa perda de sua identidade; por exemplo, na perda da medicina tradicional indígena, do uso das ervas, que estava sendo substituída pela medicina branca de postos de saúde e remédios industrializados. Karahy explicou que a aldeia fica numa antiga área federal que foi demarcada após muita luta dos Guarani por sua sua terra. Essa retomada não foi apenas de terra, mas também de sua cultura e identidade. O roubo das terras pelos "juruá", pelos não-indígenas, foi a perda da liberdade. E perder a liberdade foi perder a identidade.

Educação no campo e a luta pela Reforma Agrária

A experiência de educação no campo no Assentamento Madre Terra foi relatada por Daiane Marçal. A professora e agricultora contou que a região de São Gabriel, onde fica o Madre Terra, é um dos berços do latifúndio no Rio Grande do Sul; a luta por uma escola era parte da luta por terra. Isso ficava ainda mais evidente
quando o assentamento ainda não tinha sua própria escola e as crianças e jovens eram obrigadas a andar de 2 a 7 quilômetros até a unidade escolar mais próxima, isso para ter aulas em horários alternados. Como disse a professora, a luta pela "escola é a busca pela dignidade" - isso mesmo sob uma situação onde a escola que se tem lá ainda não tem a qualidade necessária. A proposta da escola do assentamento - apelidado de "Semente libertária" - é a de se entender a educação do campo como um processo de valorização do pequeno agricultor familiar, que produz alimentos para a população e não mercadorias para o agronegócio. É por isso que a própria manutenção da escola aberta é uma luta em si mesma. A "Semente libertária", na verdade, é uma subunidade de outra escola estadual, distante a 130 Km da primeira. E sofre constantes ataques do governo: a cada ano os professores e professoras são substituídos(as), impedindo uma continuidade no trabalho escolar; a direção da escola principal, sob ordens da 19ª Coordenadoria Regional de Educação, quis fechar diversas turmas. A resposta dos assentados foi a ocupação da sede do Ministério Público Estadual em Santa Maria, além de protestos em Santana do Livramento, isso em 2017. Neste ano, o início do ano letivo ficou ameaçado pela falta de transporte escolar. Tais ataques não são isolados: segundo Daiane, mais de 37 mil escolas no campo foram fechadas nos últimos anos. Outra forma de ataque à escola é a constante ameaça de municipalização, sendo que São Gabriel não tem uma política pedagógica específica para as escolas rurais que satisfaça os interesses dos assentados. A professora encerrou com a reflexão de que a escola é um território em disputa. "A revolução acontece agora. A educação é uma forma de ação direta, ao construir sujeitos conscientes e ativos na transformação social", arrematou.

Ocupações nas escolas secundárias: uma revolução jovem

Gabito Fernandes hoje é estudante de história. Mas em 2016, ao ingressar na juventude do PSTU, era um secundarista que viu de perto a onda de ocupações de escolas que varreu o país de norte a sul. Segundo ele, as ocupações, em primeiro lugar, formaram vanguardas: antes mesmo dessa ocorrerem, já havia um processo de ressurgimento dos grêmios estudantis que, de alguma forma, serviu para ocupar as escolas. Tradicionalmente, o movimento estudantil
secundarista não ocupava escolas; essa era mais uma tradição do movimento operário. Nos momentos que antecederam a onda de ocupações, o movimento estudantil vivia um momento de refluxo, defensivo. No entanto, já havia, para ele, uma maturidade do movimento para realizar as ocupações. "Aos poucos, as ocupações se multiplicaram", afirmou. Isso vem de experiências como a chilena, com a "Revolução dos Pinguins", do Paraguai, onde os estudantes derrubaram o ministro da educação e da Argentina, que - como aqui no Brasil - chocou-se com as antigas direções tradicionais do movimento, lá o kirchnerismo, aqui a UJS e o PCdoB. Essa juventude - rebelde, ansiosa de novidades, negra, mulher, LGBT -, ela não precisou, segundo ele, romper com o petismo; ela já surge à margem das entidades tradicionais do movimento estudantil, como a UNE e a UBES. Nutre um forte sentimento anti-partido e uma grande revolta contra o status quo. Mas essa rebeldia não era contra a classe trabalhadora: o apoio às reivindicações dos profissionais da educação era sempre presente. Nas ocupações, alcançou o que Gabito chama de um nível quase "soviético" de organização, preocupando-se desde com a alimentação até a auto-defesa das escolas ocupadas. Para ele, ficam como lições desse processo: a compreensão das ocupações como algo semelhante a um poder paralelo ao do Estado; a formação de uma nova geração de lutadores, sem a contaminação das entidades tradicionais como UNE e UBES - por isso a necessidade das organizações políticas da esquerda de romper com essas entidades -; e a impossibilidade de se ter uma educação popular e democrática nos marcos do capitalismo.

Experiências de autonomia nas ocupações universitárias

Já a estudante Julia Maria, do jornalismo da UFSM e do Coletivo Alicerce, afirmou que essa juventude teve, no contexto do impeachment da presidente Dilma e a chegada de Temer ao governo, um momento de avanço para além das individualidades
pessoais. Os ataques de Temer ao serviço público - por meio da PEC do teto dos gastos - criaram a consciência da necessidade de mobilização estudantil. Na UFSM, as assembleias gerais chegaram a reunir mais de 5 mil estudantes, além de reuniões em todos os cursos; "eu não tenho palavras para dizer o que foi aquele momento, de ver aquela energia que fez as pessoas se mobilizarem". No caso das direções estudantis, o DCE, já há algum tempo controlado por grupos de direita, foi atropelado pela mobilização estudantil. Houve uma compreensão de que aquela universidade, que era prometida, era uma mentira, com expansão precária, com pouca assistência estudantil. Nos primeiros dias da ocupação, colocaram-se cartazes de forma a que não se pudesse ver o interior dos prédios, tendo frases como "Ei, reitor, vá comer no RU!". Um efeito da expansão universitária, por meio do Sisu (sistema nacional de vagas universitárias), foi que muitos alunos vinham de outros estados e não tinham onde morar. Em função disso, houve até ocupação de casas para servir de moradia estudantil. As ocupações, nesse sentido, significaram um momento de reorganização do movimento estudantil. Era necessário sair do modelo tradicional. "A gente não foi ensinado a ocupar universidades, a ocupar escolas. A gente teve uma política de institucionalização de nossa luta", disse Julia, criticando as antigas formas de se fazer movimento. Apesar da crise da representatividade do movimento, é importante não negar os Diretórios Acadêmicos e DCE's, resultado de muita luta, pois são espaços importantes para se ocupar na organização das lutas. "Mas é preciso olhar para esse período de crise que vivemos e perceber que as entidades não são suficientes para os desafios que esse momento exige. A luta nesse momento, só tem saída por meio de ações coletivas", finalizou.


No período da tarde, os presentes ao ENE-RS organizaram-se em
Antes da mesa de hoje, aconteceu uma apresentação de maculelê
grupos temáticos de discussão, quando elaboraram suas contribuições por assunto, que serão discutidas na plenária final da manhã deste domingo.

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