Por AsCom Cúpula dos Povos (Informe nº 19)
A
nova versão do documento oficial da Conferência das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) corre o risco de marcar a
privatização global dos direitos econômicos, sociais e ambientais se
predominar a intenção de alguns países e da própria ONU de excluir do
texto os Princípios do Rio (firmados na Rio-92) e outros que estabelecem
o compromisso governamental de assegurá-los às populações. A avaliação é
de Iara Pietricovsky, que integra o Grupo de Articulação da Cúpula dos
Povos e voltou esta semana da mais recente reunião nas Nações Unidas
destinada a produzir um texto consensual entre países e representantes
da sociedade civil.
Realizado
em Nova York, esse deveria ter sido o último dos encontros
preparatórios (PrepCom) antes da Rio+20, programada para 13 a 22 de
junho. Com o agravamento das divergências, uma nova rodada de
negociações foi convocada para os dias 29 de maio a 2 de junho.
De
acordo com Iara, a ONU, há muito tempo descapitalizada, está sendo
capturada financeiramente por grandes instituições corporativas, como a
Fundação Gates, a Fundação Clinton ou o Global Compact (ação de
mobilização da ONU junto a corporações para ações ambientais). E esse
movimento de "privatização da ONU", diz ela, se reflete diretamente nas
propostas feitas para o documento oficial. Tentam esvaziar o papel dos
Estados e fortalecer o das empresas, e estabelecer para a chamada
"economia verde" metas de baixo impacto que não alterem
significativamente os processos produtivos e de consumo.
Entre
os princípios que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e os EUA, o
Japão, o Canadá e a Austrália consideram desnecessários constarem do
documento estão os Princípios do Rio, que atribuem aos Estados a maior
parte das obrigações com justiça social e ambiental; o Princípio do
Poluidor-Pagador (ou seja, o país deve arcar com os custos de sua
poluição); e o Princípio da Precaução, também formulado na Rio-92,
segundo o qual riscos potenciais graves que ainda não possam ser
avaliados cientificamente devem ser prevenidos nos empreendimentos.
"Na
redação do documento, não querem a linguagem explicitada desses
parâmetros internacionais de direitos que foram consolidados nos últimos
30 anos", critica Iara. Como resultado prático, ela prevê a
substituição dos princípios por diretrizes de universalização que, no
entanto, não contemplam a obrigação jurídica dos governos de cumpri-las.
Saúde, saneamento, entre outros direitos, poderão estar atrelados,
assim, às iniciativas e ao interesse do capital privado.
Metas medíocres
A
"privatização" apontada pela antropóloga também é evidente nas metas
definidas para a "economia verde". "Alguma dessas fundações empresariais
já vêm elaborando algumas metas de desenvolvimento sustentável, e há
muito desconforto nos bastidores da ONU em relação a isso", diz Iara.
"Os poderes públicos e os governos já são bastante capturados pelo
interesse do capital, que começa a se infiltrar agora na maneira global
de pensar das Nações Unidas."
Isso
explica em parte, diz ela, porque as intenções de realizar uma
transição dos modos de produção para parâmetros mais sustentáveis,
embora declaradas, não se traduzem nas metas definidas no rascunho. "Por
exemplo, pretende-se dobrar o uso de energia limpa até 2030, o que
significa chegar a ínfimos 8% (para os atuais 4%). Não se fala em
transferência de tecnologia, só em acesso a ela. Também foram
postergados para 2030 objetivos como acabar com a disparidade salarial
de gênero no trabalho; aumentar a eficiência da agricultura em 30%;
reduzir em dois terços a proporção da população com renda equivalente a
menos de U$ 1,00 por dia, entre outras." Ou seja, na opinião da Iara,
agrava-se o risco de retrocesso no documento como efeito da apropriação
privada na governança das Nações Unidas.
A
antropóloga Iara Pietricovsky representa a Rede Brasileira sobre
Instituições Financeiras Multilaterais (Rede Brasil) no Grupo de
Articulação da Cúpula dos Povos na Rio+20, evento que vai reunir
representantes da sociedade civil no Aterro do Flamengo de 15 a 23 de
junho, com o objetivo de produzir propostas alternativas e críticas às
diretrizes oficiais da Rio+20.
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