quarta-feira, 1 de abril de 2015

Passados 30 anos de seu fim a Ditadura não foi passada a limpo

Por isso os gritos de "intervenção militar já!"

por Almir Cezar, da Sucursal Brasília 
matéria especial para a ANOTA *

Faixa defendendo "intervenção militar já!" em meio ao ato
contra o governo Dilma de 15/03 em Brasília. (Foto: ANotA)
No mês de março, em meio a maior crise econômico e política dos últimos anos, o país passa por um forte sentimento antigoverno Dilma e de seu partido (PT), especialmente entre a classe média. Nos atos contra a corrupção do dia 15/03, grupos aproveitaram para exigir o que chamam eufemisticamente de “intervenção militar”, pregando-a supostamente para limpeza moral e de destravamento do progresso econômico. Esse absurdo se dá pois não há constrangimento social em defender o golpe militar de 1964. Até porque, apesar de 30 anos do fim da Ditadura, até hoje não houve nenhuma penalização dos seus criminosos contra a Humanidade e não houve apuração da corrupção e incompetência praticados.

Hoje (1º de abril) completa-se 51 anos do Golpe de 64. Meses atrás, em dezembro do ano passado (10/12/2014), a Comissão Nacional da Verdade (CNV), grupo constituído pelo governo por figuras ilustres da sociedade civil, entregou à presidenta Dilma relatório sobre crimes praticados por agentes governamentais durante a Ditadura Militar. O relatório é um avanço, mas mesmo nesse documento não se aponta ao julgamento e punição dos responsáveis por crimes contra a Humanidade desse regime.


Com essa situação, o Brasil continuou atrasado em comparação aos nossos vizinhos sul-americanos, que condenaram à cadeia até mesmo os seus ex-presidentes. A própria CNV só foi criada após 30 anos da redemocratização, completados em 15 de março. Esse atraso demonstra o quanto é débil a causa dos direitos humanos no Brasil. Não à toa, ainda hoje, vemos pipocar pelo país à fora casos como do Amarildo, episódios de tortura policial e mesmo de juízes e outros agentes públicos se achando “Deus”. Essa debilidade da causa provoca ainda o ambiente favorável a essa campanha da grande imprensa junto ao Congresso Nacional pela aprovação da redução da maioridade penal.

Para piorar a grande imprensa reverbera tempos em tempos a lógica de que julgar os crimes da Ditadura se trataria de “revanchismo”, ou de maneira chantagista, propagandeia que se caso fosse julgar os criminosos de Estado, seria preciso julgar os "dois lados", portanto os que lutadores contra a Ditadura. Tentam colocar oportunisticamente um sinal de igual entre os agentes da repressão e os lutadores anti-Ditadura na tentativa de que a Lei da Anistia não seja revisada e os crimes da Ditadura não seja revelado para que seus próprios crimes também não o sejam. Tentam na verdade esconder terem incentivado a derrubada do governo democrático de João Goulart; terem apoiado durante anos um regime político criminoso; e mesmo terem lucrado enormemente nesse período com anúncios de governo e concessões de rádio e TV. Portanto, da imprensa corporativa apenas se pode esperar isso.

No passado, diferentemente do que aconteceu aqui, outros regimes ditatoriais foram passados à limpo, até mesmo o talvez mais brutal da História, o Nazismo, sofreram derrotas que o sepultaram moralmente. No caso desse a primeira derrota, uma derrota militar, quando perdeu vexatoriamente para a ex-URSS, os EUA e os demais aliados nas frentes de combate. A segunda foi na corte internacional instalada em Nuremberg, antiga cidade sagrada do Nazismo, quando a elite política e militar do regime foi julgada por tribunais constituídos pelos Aliados, pondo à luz seus crimes, mas condenando até mesmo à mortes os crimes de guerra, e mesmo inaugurando o conceito reforçando posteriormente com a fundação da ONU e na Declaração dos Direitos Humanos, de crimes contra a Humanidade.

Por sua vez, os governos das duas Alemanhas do pós-Guerra (Oriental e Ocidental) por décadas seguintes continuarem imputando responsabilidades civis e criminais aos agentes do Estado daquele período, mesmo aqueles que alegavam inocência por "cumprir ordens" - ao contrário de procurar imputar igual responsabilidade aos que enfrentaram até pela via armada esse regime assassino, tratando-se ou não de uma tática equivocada. O que aconteceu ao Nazismo na Alemanha não deu brecha que os combatentes contra esse regime, mesmo àqueles que cometeram excessos que eventualmente vitimaram inocentes, fossem considerados a julgamentos ou moralmente condenados, nem mesmo tratáveis igualmente aos torturadores e assassinos de Estado, terroristas investidos de autoridade pública, algozes de crimes contra a Humanidade. 

Muito pelo contrário. Hoje são considerados heróis, pessoas que se levantaram, arriscando ou mesmo perdendo a vida em nome da liberdade da sociedade. Mahatma Gandhi, grande adepto da não-violência, mas que lutou contra o até então mais poderoso império colonial da História, o Britânico, disse certa vez que, "nunca a violência do oprimido pode ser comparada ao do opressor".

Não é válido defender punição para os supostos crimes praticados pelos guerrilheiros e ex-membros dos grupos armados que lutaram contra Ditadura, como apregoa alguns, e que, deprimentemente, a imprensa corporativa faz eco. Erra grosseiramente quem considerara que “os dois lados devem ser julgados”, a suposta necessidade de julgar também os “crimes” dos lutadores anti-Ditadura. Até porque, em primeiro lugar, seus eventuais "excessos" não se comparam aos criminosos contra a Humanidade à frente do comando militar e político do regime.

E, em segundo lugar, ainda naquele tempo, os lutadores anti-Ditadura foram julgados e condenados em tribunais de Estado, quando não foram alvo de julgamento sumário, por meio de assassinatos e desaparecimentos. Alguns “sortudos” tiveram no mínimo de amargar anos de clandestinidade ou de exílio. Muitos outros, depois de sofrerem as inúmeras violências descritas com detalhes no relatório de 4 mil páginas da Comissão Nacional da Verdade, ficaram mais de dez anos presos, como foi o caso da própria presidenta Dilma Roussef.

Talvez o pior e mais triste do Brasil não ter passado à limpo a Ditadura Militar é ver de tempos em tempos 'cidadãos de bens' defendendo a Ditadura de 64, como vimos nos últimos dias nos comentários nas redes sociais, nas sessões de cartas dos leitores e abaixo das matérias dos sites de notícias e principalmente nas faixas e palavras-de-ordem nas últimas manifestações contra a corrupção ocorridas no mês de março, em destaque a do domingo dia 15 de março. Ressuscitando agora apenas de maneira mais firma a ideia de golpe militar, justamente às vésperas da data (1º de abril) que se completa 51 anos do início da Ditadura Militar. 

Vemos gente, até mesmo jovens (e não viveram aqueles anos), usando argumentos como “naquele tempo não havia corrupção” - esquecendo, por ignorância (ou má-fé) que não havia órgãos de fiscalização e controle, imprensa livre para denunciar, etc. Ou brandindo que agora no período democrático haveria um aumento na impunidade dos crimes comuns - ninguém se lembra de casos famosos hediondos ou escândalos de corrupção que apenas por ser o criminoso rico ou amigo do regime acabara livre? 

Isso só é possível porque não houve e ainda há condenação moral à Ditadura em nossa sociedade, um legado infeliz da não penalização dos criminosos contra a Humanidade feitas por nenhum dos sucessivos governos pós Ditadura, de Sarney à Dilma. Durante os últimos 12 anos os governos do PT não fizeram nada sobre os crimes. Pelo contrário, negociaram politicamente com muitos dos “filhotes da Ditadura”.  

Manifestação do dia 13 de março em Brasília de setores
em defesa do governo Dilma e contra a ameaça de golpe.
(Foto: ANotA)
Cabe agora ao governo Dilma a tarefa de que o relatório da CNV não seja apenas uma “peça de investigação histórica” sem consequência alguma, mas instrumento primeiro de pôr à luz os crimes e dê início ao julgamento desse Regime. Até como uma tentativa de salvar seu próprio governo de quaisquer ameaça de golpe.

A militância petista e governista e setores do governo deveriam, ao invés de ficar brandindo a suposta ameaça de “golpe” e agitando que há uma suposta “onda conservadora” - um tática de tentar unir ao campo deles e na defesa de seu governo a esquerda e movimentos sindicais e populares não governistas -, exigir o fim da impunidade dos crimes da Ditadura, forçando a iniciativa justamente do governo que tentam defender.


(*) Almir Cezar Filho é diretor da sucursal Brasília e editor de Economia da ANotA
O artigo é parte da série sobre os 51 anos do Golpe Militar de 1964

Atualizado em 02/04/2015

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