terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Impeachment para quem?

por Andrés Lawner, especial para a ANotA


Foto: Murilo Rezende (Futura Press)
 Na semana passada foi uma mensagem sem assinatura que circulou país fora pelos grupos de Whatsapp. Esta semana, já é um evento. Toma corpo um movimento que visa impedir Dilma Rouseff de terminar seu mandato, aparentemente pela via constitucional, apesar de que há setores que abertamente defendem uma intervenção militar. Reivindicando a luta contra a corrupção e relembrando os caras-pintadas dos anos 1990, dizem que chegou a hora de sair às ruas e pedir a saída de Dilma, por meio de uma ação de impeachment. Ela, segundo dizem, teria sido conivente com a corrupção ou, ainda mais, estaria envolvida até o pescoço nela.

 Sem querer, num primeiro momento, julgar tais acusações, cabe aqui tentar entender a quem interessa isso. Quem estaria por trás deste movimento. E qual seria seu real alcance. Será algo como a meia-dúzia que protestou após as eleições, com Bolsonaro, Lobão e o PSDB à tira-colo? Ou vamos ver algo realmente multitudinário? Estamos vendo mais um capítulo da novela "Choro de perdedor" ou há um fenômeno novo, uma reorganização de uma direita golpista e abertamente reacionária?


 Para responder a isto, dois fatores devem ser levados em conta: quem manda no governo Dilma? E quem seria o protagonista desse movimento de moralização da política no país? Como pano de fundo, temos três recentes levantamentos de dados, partes de uma mesma pesquisa divulgada recentemente pelo Datafolha - que, como toda aproximação estatística, estão sujeitas à famigerada "margem de erro". A primeira mostra uma inversão no quadro da popularidade do governo Dilma, com queda do índice de "ótimo/bom" de 42% em dezembro de 2014 para 23% em fevereiro de 2015; o índice de "ruim/péssimo" subiu de 24% para 44%, enquanto o índice de "regular" se manteve num patamar estável, segundo o Datafolha.

 A mesma pesquisa, também do Datafolha, mostra que 71% dos brasileiros afirmam não ter nenhum partido de sua preferência. O PT perdeu popularidade (de 22% para 11%) e o PSDB ainda mais (de 7% para 5%). Por fim, apesar da queda de prestígio do PT, Lula ainda figura como o melhor presidente da História para os entrevistados, com 56% de menções; FHC é o segundo lugar, com 13%, Getúlio Vargas com 6%, Dilma Rousseff com 5%, Sarney com 2%, e Itamar Franco e Collor 1%. Ou seja, apesar da perda de prestígio do PT, a imagem de seu principal líder permanece intocada, ao menos relativamente.

Os amigos de Dilma e do Lulo-Petismo


 Dito isto, podemos começar a tentar responder à primeira pergunta: a quem Dilma representa? Se cada vez menos pessoas se sentem agradadas pelo governo Dilma, ao
Levy, Kátia Abreu e Monteiro Neto, novos ministros de Dilma
(foto: reprodução de internet)
menos um pequeno grupo ainda está feliz de tê-la no governo, pelo menos por enquanto. Com Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, Kátia Abreu na Agricultura, Armando Monteiro Neto na Indústria e Comércio e, mais recentemente, Aldemir Bendine na presidência da Petrobrás, os principais grupos econômicos dos país podem se sentir representados. Isto é, o agronegócio, a indústria e o misterioso "mercado financeiro". As elites não podem reclamar que não se sentem representadas...


 Nem os partidos mais tradicionais. Com a exceção de algumas legendas mais antigas, como o PSDB, o DEM (ex-PFL), o PSB e o ex-comunista PPS, a esmagadora maioria dos partidos da elite política brasileira estão no governo: PMDB, PP, PR, PTB, além da esquerda (sic!) representada pelo PCdoB, PDT, além do próprio PT, sem contar um sem-número de legendas novas, sem tradição e tidas como "de aluguel", como PROS, Solidaridade, PSD etc. Fora do governo, além dos citados, só a esquerda socialista, como PSTU, PSOL e PCB, além dos partidos-movimento, como MST e MTST, estes sob inúmeras ressalvas. Ou seja, se há uma oposição de direita ao governo, ou está sob o controle de FHC e Aécio, ou passa por fora do sistema político tradicional.

Existe uma nova direita?


 Então, quem estaria por trás desse movimento que pede a saída de Dilma? É difícil
Reprodução da Internet
especular sem maiores informações, mas o aparecimento de figuras como Lobão e Roger, de Olavo de Carvalho e Rodrigo Constantino, entre outros, mostra que se forma uma direita por fora dos mecanismos tradicionais de poder legitimado. É uma direita perigosa, fácil de ceder ao apelo do golpismo barato e que usa de um discurso de moralidade demagógico e pseudo-intelectualizado. É essa direita que aparece nas redes sociais sob os mais diferentes disfarces, de "Anonymous" a "defensores da moralidade política". O fato de se apresentarem como reserva moral dificilmente os qualifica a deter este título.


 Tudo isso leva a pensar numa comparação inevitável: o que faz Dilma diferente de Collor? (Não por acaso, parte da base de apoio do governo e um dos citados na Operação Lava-Jato) Duas seriam as diferenças: Collor, ao contrário de Dilma, nunca teve o apoio de um setor importante da classe trabalhadora organizada, por meio de seus sindicatos; ao contrário, os sindicalistas que a ele se aliaram representavam o que havia de mais reacionário e apodrecido na representação da classe operária - a Força Sindical de Medeiros, Magri e Joaquinzão (note-se que o mesmo Luiz Antônio de Medeiros hoje goza de um importante cargo no Ministério do Trabalho). A segunda diferença é que o movimento por um impeachment, tanto ontem quanto hoje iniciado em camadas médias da sociedade (antes estudantes, hoje as classes médias), no passado teve logo repercussão nos setores mais pobres da sociedade. Hoje, ao contrário, a classe trabalhadora sim se levanta (aos poucos, ainda) contra os ataques de Dilma, mas ainda não por sua derrubada, e sim pela derrota de suas medidas políticas. Melhor dito, busca-se derrotar o governo e não o governante, pelo menos por enquanto.

 Aqui, outra pergunta se impõe: o que o PT fez de errado para merecer tanta oposição? Há duas respostas para isso. Uma é a do estelionato eleitoral; ela veio com o discurso da proteção aos mais pobres, a do ataque aos privilégios, o "muda mais", mas o que trouxe foi um saco de maldades da austeridade, corte de direitos e alianças com políticos tradicionais e representantes das elites. Porém, não foram poucos os que avisaram que ia ser isso mesmo, que Dilma e Aécio eram perigosamente parecidos. A segunda resposta é mais profunda, e remonta ao momento da primeira eleição de Lula, em 2002. Naquele momento, muitos pensaram que, ao eleger um operário, veriam o país mudar. Mas o que ocorreu foi a manutenção do que já havia, com um leve verniz populista.

 Basta um pouco mais de esforço para perceber que a eleição do Partido dos Trabalhadores não significou um governo dos trabalhadores, mas uma aliança de burocratizados dirigentes sindicais e políticos da classe trabalhadora com um arco, cada vez mais amplo, de representantes das elites políticas e econômicas do país. Algo, que na terminologia sociológica, ficou conhecido como "frente popular" - traduzindo-se, uma aliança entre partidos operários e burgueses. E, aqui, a História cobrou seu preço. O PT entrou com os votos; o PMDB e aliados, com o programa e caráter do governo. Foi essa aliança que levou ao Brasil a se comportar como cão de guarda dos EUA no Haiti. A produzir os primeiros presos políticos desde o fim da ditadura militar, nos anos 1980. A "nunca ter se lucrado tanto neste país" como nos governos do PT-PMDB.

 Assim, podemos tentar responder a pergunta inicial: neste momento, tirar Dilma do governo só pode interessar a dois setores. Um, pequeno, pouco organizado mas sem dúvida perigoso, é da direita raivosa disfarçada de moralista; ou o que, sarcasticamente, passou a ser chamado de "coxinhas". Estes, ao ouvir o nome de Jair Bolsonaro, gritam mais que quinze fãs-clubes dos Beatles. O outro que poderia ser beneficiado é uma parte insatisfeita do PMDB, que quer mais poder mas nunca teve força para isso - os mesmos que elegeram Eduardo Cunha para a presidência da Câmara e que torceriam para que Michel Temer fosse o novo presidente. Contudo, esse setor vive um dilema entre romper e se arriscar a perder poder ou embarcar num projeto independente. Sempre que se aproxima uma eleição presidencial, o PMDB, dada a sua tradicional combinação adesismo-esquizofrenia, se debate nesse dilema. Sem contar que há controvérsias se Temer assumiria ou novas eleições seriam convocadas.


Qual deve ser o caminho a ser escolhido?

 Que fique claro aqui que os atuais rumos do governo pouco agradam. Se não deixam a direita ultraconservadora feliz, deixam os trabalhadores e a população mais pobre ainda mais infelizes. Afinal de contas, quem mais sofre com a inflação, o arrocho salarial, o ajuste fiscal e a sangria de recursos causada pela corrupção são os pobres. São eles que ficam sem hospitais, escolas, água ou energia elétrica. Aos mais ricos, sempre restam os planos de saúde de luxo, as escolas particulares, as piscinas cheias ou, mesmo, as casas de veraneio em Miami. Talvez Dilma precise sair mesmo. Mas a solução não pode ser algo do tipo "mais do mesmo" ou ainda pior.

 Seja um governo ultraconservador ou uma ditadura militar ou fascistóide, quem acaba sofrendo mais são aqueles que levam o país nas costas, aqueles que produzem as riquezas do país para que essa mesma direita possa, depois das suas marchas, possa comer seu iogurte e seu filé à Osvaldo Aranha. Os trabalhadores, esses ficam no macarrão com salsicha mesmo... 

 Portanto, cuidado, caro leitor! Se você acha que, em nome da moralidade e da legalidade, é a hora de conspirar, talvez você esteja assinando um pacto com gente que faria o Diabo estremecer de medo e corar de vergonha... talvez seja hora de olhar para o outro lado, pois é entre os mais simples que a verdade costuma aparecer. E de onde as melhores soluções, para a maioria e, assim, para todos, costumam vir.

 Querem um governo que agrade à maioria? Perguntem a maioria do país como fazer! E quem é essa maioria? É a que passa férias em Aspen ou a que faz churrasco na laje e pega trem lotado?

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