Por
Flávio Almeida Reis*, especial para ANotA
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Foto publicada na Folha de São Paulo 23-08-12 |
Na
Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, a deflagração da greve ocorreu
no dia 11 de junho acompanhando a grandiosa mobilização iniciada pelas
universidades federais. Hoje, a situação é marcada pelo aumento da repressão,
enquanto Sergio Cabral segue na contramão da educação dizendo que só negocia se
a greve acabar. O “desgovernador” do
RJ afirma também que os professores da UERJ são “manipulados num momento eleitoral”. Entretanto, as atividades de
greve estão sendo aplaudidas por onde passam. E os trabalhadores com
consciência de classe sabem que mobilizações deste tipo só surgem quando há
falta de canais institucionais para negociação. (1)
O
objetivo deste artigo é discutir a repressão que se abateu sobre a greve na
UERJ e que está recebendo o mais vigoroso repúdio, pois é inaceitável a
intromissão da PM nos conflitos internos das universidades, são situações que
remetem nossa memória aos tempos da ditadura militar. E alertamos que esta não
é uma situação isolada. Basta lembrar os diversos atos repressivos do ano
passado que ocorreram na USP, contra os estudantes que estavam, exatamente,
combatendo o convênio firmado entre a Reitoria de Rodas-Serra e a própria PM
(2). Outra situação recente se deu em junho deste ano, quando uma violenta
repressão policial ocorreu na UNIFESP-Guarulhos resultando em mais de 20
estudantes presos (3).
A invasão da
Tropa de Choque à UERJ
Na
tarde da última quinta-feira, 23 de agosto, os estudantes da UERJ saíram em
passeata na Av. Radial Oeste (Zona Norte) com o objetivo de exigir a reabertura
das negociações do governo estadual com os grevistas. Foi uma ousada
manifestação que expressou o repúdio consciente da juventude, que não admite
mais assistir sem lutar contra o quadro de precarização da educação pública e a
forma irresponsável como os governantes estão tratando a greve dos professores
e funcionários das universidades e dos demais servidores.
Em
vários momentos a polícia tentou dispersar o protesto, mas os manifestantes não
se intimidaram e seguiram com o ato. Um helicóptero sobrevoou a mobilização
durante todo o tempo. Quando o ato entrou no estacionamento da universidade
onde realizaria uma assembleia, a repressão aumentou. Vídeos na internet mostram
a chegada da Tropa de Choque no campus, armados com fuzis e disparando bombas
contra os estudantes que correram para se proteger (4). A resposta dos
manifestantes foi cantar palavras de ordem sem cessar a poucos metros dos
policiais, até que a PM recuasse, o que aconteceu ao anoitecer, seguida de uma
sonora vaia da multidão. Aos combativos estudantes, nossos aplausos!
A frustrada
tentativa da mídia de evidenciar a “baderna” estudantil
Os
jornais Agência Brasil (5), G1 (6), Jornal do Brasil (7), O Globo (8), Bom dia
Brasil (9) e outros divulgaram informações de que a Tropa de Choque se dirigiu
ao protesto para auxiliar a PM (4º BPM de São Cristóvão). Todos eles citaram
trechos de uma nota da PM afirmando que os estudantes depredaram um caixa
eletrônico da agência do Bradesco que funciona dentro da universidade.
Mas
há uma versão diferente publicada na grande imprensa. A matéria do Estadão
incluiu uma importante declaração de um docente do curso de Comunicação, que
acompanhava o protesto e que nos ajuda a compreender o que aconteceu. Segue.
"Os
professores já tinham se dispersado e os alunos estavam reunidos em frente à
agência, que era o único lugar iluminado [a universidade estava às escuras
desde o início da tarde por falta de energia elétrica]. A polícia entrou jogando gás lacrimogêneo. Foi uma coisa muito agressiva,
uma repressão inútil, porque não teve depredação, nada" (10)
É
no mínimo curioso como os outros jornais não se preocuparam em publicar
declarações dos participantes das manifestações sobre o que eles apontam como
justificativa para a entrada da Tropa de Choque no campus, a depredação de um
caixa eletrônico. Cabe lembrar também que nenhuma imagem do equipamento que
eles afirmam ter sido avariado veio a público.
A
maioria dos jornais se limitou a publicar somente a versão da PM, com exceção
do jornal Estadão, como vimos. É por se comportarem dessa maneira, sem
aprofundarem as investigações e os questionamentos, que os movimentos sociais
difundem a desconfiança na grande mídia. E é lamentável que nenhum dos jornais
se dedicou a promover o que deveria ser cuidadosamente discutido pela
sociedade: a legitimidade da ação policial dentro da universidade. A grande
imprensa parece estar tão comprometida com a repressão ao movimento estudantil
que mais uma vez se configura incapaz de promover um debate razoavelmente
crítico sobre democracia e universidade.
O primeiro
posicionamento da Reitoria não passava de um ensaio vacilante
Bastou
um confronto com a polícia para que a Reitoria denunciasse junto à grande
imprensa o “vandalismo” promovido
pelos estudantes. O comunicado da Reitoria, assim como os jornais citados,
procura fazer com que a sociedade referende a descabida ação policial motivada
pela suposta “baderna” dos
estudantes. Seguem trechos do comunicado.
“(...) Dentro da
UERJ, integrantes do movimento grevista ocuparam o espaço onde estão sendo
realizadas obras da agência do Bradesco e arrancaram a faixa identificadora do
banco. Funcionários da Universidade convenceram os manifestantes a se retirarem
do local. Sem nenhum aviso à administração central, a Polícia Militar entrou no
campus, nas dependências próximas ao Bradesco, e lançou duas bombas de efeito
moral. A UERJ solicitou aos policiais que se retirassem do campus.
A UERJ ressalta
que em nenhum momento solicitou a presença da Polícia Militar, o que foi feito
pela gerência da agência do banco Bradesco localizada no campus Maracanã.
A UERJ considera
que os conflitos democráticos provocados pelo movimento de greve são
contornados internamente, sem a presença de agentes externos como
intermediadores. Chama ainda a atenção para a responsabilidade das
manifestações no espaço da Universidade, que não podem danificar um patrimônio
que pertence a todos e serve a toda a comunidade.” (11)
O
Bradesco não se manifestou até o momento, enquanto esta nota da Reitoria se
limitava a explicar que não foi ela quem chamou a polícia, e sim o Bradesco.
Mas para os grevistas essas ainda eram informações insuficientes. Houve muitos
questionamentos para além da veracidade dos fatos que a Reitoria evitou
responder num primeiro momento. Todos eles exigindo um posicionamento mais
firme diante das bombas da PM contra os alunos dentro do campus.
A reação
imediata do movimento contra Cabral e de alerta à Reitoria
Um
abaixo-assinado online à comunidade universitária e ao Reitor da UERJ está
recolhendo assinaturas desde a data do conflito. E em apenas 5 dias
contabilizou cerca de 1500 signatários. Nele os acadêmicos repudiam a ação
truculenta da PM contra as manifestações dos grevistas. Criticam também a
Reitoria, assinalando a “perplexidade e
mal-estar diante da presença de PMs no interior da Universidade, com uso de
(...) gás lacrimogêneo e posterior fechamento do campus sem nenhuma explicação
da Administração Central”. (12)
Esse
abaixo-assinado foi um manifesto radical em defesa da autonomia universitária
da UERJ e procurou resgatar a herança da universidade como “espaço de liberdade e rebeldia que mudaram tradições conservadoras”.
Além de questionar a paralisia da Reitoria o texto concluiu com a defesa da
greve como instrumento “legal e legítimo”
e denuncia a intransigência e a truculência dos governos no tratamento aos
grevistas.
Foi
realizado também no dia seguinte, sexta-feira, 24 de agosto, um ato em frente
ao Maracanã. O protesto já estava na agenda do comando de greve estadual
unificado, mas ganhou vigor após os acontecimentos de quinta-feira na UERJ. O
ato contou com diversas entidades do funcionalismo em greve no RJ, que exigiram
abertura das negociações a Cabral e Dilma. Eles quiseram utilizar o simbolismo
do grande contraste entre caudalosos investimentos nas obras da Copa em
contrapartida dos limitados recursos destinados à educação, saúde e habitação.
O ato seguiu em passeata até a UERJ. E quando a manifestação chegou à universidade,
foi recebida com os portões fechados e seguranças de prontidão. O destaque
ficou para o Batalhão de Choque que se fez presente novamente. Mas dessa vez
não houve confronto. (13)
Sintuperj
apontou desde o início a responsabilidade da Reitoria
Seguem
trechos da nota do Sindicato dos Trabalhadores da UERJ – Sintuperj com a sua
versão sobre os fatos e suas pertinentes interrogações à Reitoria sobre o
conflito.
“(...) A
segurança da Uerj prontamente assumiu o controle do evento e pediu ao
Comandante da Polícia que retirasse a Tropa de Choque, pois a manifestação era
pacífica. No momento da confusão, o policial responsável pela operação disse
ter sido acionado pela gerente do banco Bradesco, com medo da aglomeração no
pátio em frente ao prédio dos alunos.
Curiosamente, o
Batalhão de Choque chegou minutos após os estudantes instalarem-se no pátio
para reunião pacífica. O Sintuperj foi procurado por um dos agentes de
segurança para se dirigir ao local com objetivo de ajudar a resolver a
situação. Os diretores atenderam ao pedido e quando tentavam intermediar,
viram-se atacados por bombas e repressão policial.
Foi um episódio
lamentável para uma Universidade como a UERJ. Não há registros de tamanha
violência dentro do campus, ainda mais sem a mínima justificativa.
O Sintuperj
repudia veementemente a atitude truculenta da Polícia Militar e exige
explicações da reitoria para o ocorrido. Agora é o Bradesco quem manda na Uerj?
Pode um banco que tem concessão de espaço físico tomar iniciativas sem
consultar o Reitor? Exigimos também uma explicação e retratação da agência
Bradesco UERJ, caso seja comprovado o pedido de intervenção da PM. Lembramos
que existe um Ato Executivo que disciplina o chamado da Polícia para o Campus.
Quem vai apurar os fatos e fazer valer o que está escrito?(...)” (14)
Afinal,
quem manda na UERJ: a Reitoria ou o Bradesco? Esse é o debate que a Reitoria
ainda tentava evitar, talvez tentando eximir sua parcela de culpa. Mas é o
debate que professores, funcionários e estudantes estavam fazendo desde a
quinta-feira. No seu primeiro comunicado citado mais atrás, a Reitoria se
limitava a atacar o protesto dos alunos e dizer que não foi ela quem convocou,
solicitou e entrou em contato com a polícia. Mas o Reitor Ricardo Vieiralves
ainda não interpelava o Bradesco e a PM sobre a entrada do Choque para reprimir
os estudantes dentro da universidade.
A
hesitação da Administração Central da instituição foi objeto de forte crítica
da comunidade universitária já que as evidências indicavam desde o início que
foram o Bradesco e a PM quem provocaram a confusão, que este grave
acontecimento realmente ocorreu sem a autorização e o conhecimento da Reitoria,
que é a autoridade representativa da UERJ, todos se perguntavam: por que Ricardo
Vieiralves não repudiava à altura as atitudes do Bradesco e da PM?
Enquanto
a Reitoria hesitava, desde quinta-feira, dia dos acontecimentos, diversas
organizações de trabalhadores, instituições acadêmicas e democráticas,
comprometidas com a comunidade universitária da UERJ e outras IES,
compreenderam e defenderam que o ato dos estudantes foi uma manifestação de
direitos. E a ação da polícia não passou de uma violência ilegítima. Exemplos
disso foram as moções enviadas pela Aduenf (15) e pelo Fórum das Seis, que
congrega as entidades sindicais e estudantis da Unesp, Unicamp, USP e Centro
Paula Souza (Ceeteps) (16). Todas elas apontando duras
críticas à Reitoria e denunciando que autoridades policiais fortemente armadas
devem ser acionadas para quem delas precisam. Não contra a juventude e os
trabalhadores organizados, estes não precisam de polícia e sim de garantias aos
seus direitos. Precisam sim da proteção das autoridades públicas constituídas.
E sobre os ombros do Reitor só aumentava a pressão para que a UERJ passasse da
sua posição defensiva a uma posição ofensiva diante do atropelamento dos
Estatutos e dos Mandamentos Universitários protagonizados pelo Bradesco e pela
PM do RJ.
A pressão do
movimento modifica a postura da Reitoria
Se
num primeiro momento a Reitoria apenas se limitava a dizer que não havia ela
solicitado a presença da polícia e que dispensava a ajuda da PM para contornar
os conflitos, num segundo momento o posicionamento da Reitoria sofreu um grande
giro frente à enorme pressão realizada pelo movimento grevista da comunidade
universitária da UERJ, do RJ e de todo o Brasil desde o primeiro minuto que PM
pôs os pés dentro da UERJ. Vejam abaixo trechos de ofício do Reitor Ricardo
Vieiralves encaminhado ao Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Rio
de Janeiro, Coronel Erir Ribeiro da Costa Filho.
“(...) Nossa
abertura à sociedade, no entanto, não qualifica a UERJ da mesma maneira que uma
via pública, uma praça ou um espaço público qualquer. Somos uma instituição com
limites e a responsabilidade de representação, conforme a legislação em vigor e
os mandamentos universitários, é exclusivamente do Reitor. Por isto, a ação
policial nas dependências da UERJ só pode ser solicitada pelo Reitor ou pelo
Vice-Reitor da UERJ.
No último dia 23
de agosto a PM adentrou a UERJ em ação policial não solicitada pelo Reitor, mas
por um permissionário da UERJ, no caso um banco que ocupa nossas instalações.
Solicito que V. Exa. apure as responsabilidades desta ação policial, visto que não houve autorização do Reitor e nem decisão
judicial que justificasse tal ato.
Temos na
Universidade as condições que a legislação nos confere de punir
administrativamente abusos que venham a ser cometidos contra o patrimônio
público e outros atos. Se algum ato cometido no interior da UERJ for criminoso
tomaremos as medidas necessárias com a devida comunicação às autoridades
policiais e judiciais.
Por tudo isto, e
para evitar danos desnecessários a uma instituição de ensino, quero solicitar a
V. Exa. que não faça ação policial alguma na UERJ sem a devida requisição do
Reitor. Posso afirmar, sem receio de errar, que é improvável que o Reitor
solicite a presença policial. Nossa instituição não promove atos criminosos,
mas atos de educação. (...)” (17)
A
postura da Reitoria nesse segundo momento é muito diferente da primeira, agora
a postura da Reitoria está parecendo mais com o que a comunidade universitária
vinha exigindo. A primeira evidência disso é que este segundo documento não faz
acusações prévias, como antes, de que a manifestação dos estudantes danificou o
patrimônio do Bradesco. E a segunda é a cobrança para que a PM apure as
irregularidades na sua ação policial.
A
comunidade universitária vinha exigindo que o Reitor Ricardo Vieiralves tivesse
pulso firme diante dos graves acontecimentos e que não vacilasse em resguardar
os interesses e a integridade da comunidade e do patrimônio público. O
movimento exigia uma posição além de uma declaração formal, ou seja, muito mais
do que aquele comunicado publicado anteriormente no site da universidade. E parece
que está conseguindo avançar nesse seu objetivo com o conteúdo rigoroso deste
ofício do Reitor Ricardo Vieiralves ao Comandante Geral da PM. Demos um passo à
frente.
Os
sindicatos estão cientes de que esta provocação que foi o confronto com a
polícia resulta da intransigência de Cabral e Dilma nas negociações com as
categorias em greve. Assim como compreendem também que este apoio que os
grevistas conquistaram da Reitoria da UERJ sobre a invasão da Tropa de Choque
ao campus é muito importante para que a atual conjuntura não se configure numa
escalada de repressão ao movimento no Rio e em todo o país.
A palavra de
ordem do momento
É
nesse sentido que as tarefas dos grevistas da UERJ agora passam também por
garantir que a mobilização perante a Reitoria conquiste mais empenho do Reitor
junto a Sergio Cabral por uma solução positiva para as reivindicações dos
professores, funcionários e estudantes. A Reitoria poderia apoiar muito mais,
eles dizem. Argumentam que não tem sentido a Reitoria se manter afastada das
demandas e da mobilização da comunidade universitária já que a UERJ só tem a
ganhar com a efetivação das mesmas.
Ainda
não há respostas concretas pelas reivindicações de reajuste imediato de 22%,
revisão dos contratos dos docentes substitutos, implementação da Dedicação
Exclusiva - apenas uma minuta do projeto de lei foi enviado à ASDUERJ (18),
estruturação do plano de carreira dos funcionários técnico-administrativos,
aumento das bolsas estudantis, construção de refeitórios etc. Apesar de o
atendimento das reivindicações emergenciais dos técnico-administrativos,
docentes e estudantes não custar mais do que 0,3% ao orçamento estadual (19).
Nesse
sentido, uma pressão maior sobre os parlamentares estaduais para que estes
ajudem a tirar o governo estadual da sua posição inerte de não negociação
também tem ocupado a agenda do movimento. Um ato marcado para o dia 29 de
agosto na ALERJ e outro para o dia 01 de setembro podem trazer resultados.
Hoje,
no Rio de Janeiro parece não haver governador, mas sobra repressão contra os
defensores da educação pública. Enquanto isso, os trabalhadores assinalam que a
palavra de ordem continua sendo “Negociação
Já!”.
Referências:
28
de agosto de 2012
Flávio
Almeida Reis é mestrando em geografia pela Universidade Federal Fluminense, Diretor
da Associação de Pós-Graduandos da UFF, Membro
do comando estadual de greve dos pós-graduandos do RJ, suplente
da Direção Nacional da ANPG e membro da tendência Esquerda
Marxista do PT. (E-mail para contato: reis.geografia@gmail.com)