quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Como nossos pais – uma reflexão sobre o real significado do Natal

por Adriano Espíndola Cavalheiro, de Uberaba (MG). 
Especial para ANOTA.

Foto: Almir Cezar
Como todos sabem, sempre comemorei  o Natal e creio que continuarei comemorando sempre. Primeiramente o fazia, alimentado por ilusões que foram incutidas em nossas cabeças, ainda crianças. Uma delas era a que dizia que o Natal era o dia no qual um bom homem, de idade avançada, visitava-nos enquanto dormíamos, trazendo presentes. Prêmios ao nosso comportamento durante o ano.

O interessante é que, mesmo a grande maioria das crianças de minha geração, pela limitação financeira de nossos pais, ganhando  presentes que não eram exatamente aqueles que tínhamos pedido, continuávamos acreditar naquele velho imaginário que nos condicionaram a chamar de Papai Noel. Mais interessante ainda é que, mesmo sabendo que o senhor em comento nunca existiu, depois de adultos, a maioria de nós, com raríssimas e honrosas exceções, assumiu o papel de dar continuidade à reprodução de Noel, fazendo com os nossos filhos, o que nossos pais fizeram conosco, e antes deles, nossos avós com eles (...): incutir em suas cabecinhas a ilusão do Papai Noel.

Assim, tenho que reconhecer que, mesmo não existindo, o papai noel é maravilhosamente esplendido, pois se vale daqueles que um dia enganou para continuar existindo. Ele consegue fazer que os adultos de hoje, que foram iludidos sobre sua existência enquanto crianças, iludam novas gerações de crianças, o que vem se repetindo geração por geração. É, como disse um dia a Banda Ratos de Porão, um velho batuta, valendo apenas acrescentar que essa capacidade de Papai Noel não é resultante de nenhuma magia deste ser, que acreditávamos mágico, mas sim fruto de uma ideologia a serviço do sistema capitalista, pois o Natal Noel é o momento no qual as pessoas mais gastam no comércio, sendo essa uma data fundamental para a economia e, por conseguinte,  aos  lucros dos capitalistas. Velho batuta, filho da p.

A outra ilusão diz respeito ao fato de que 25 de dezembro seria o dia do nascimento de Jesus Cristo. Não vou entrar no debate sobre a existência ou não desta figura religiosa, a mais importante de todas as religiões que existe ou existiu na face da Terra, em respeito ao sentimento e convicções religiosas de todos que professam fé no cristianismo - católicos, espiritas, protestantes de todas as matizes – entre os quais se encontra a quase totalidade das pessoas que amo.

Então, quando eu falo em segunda ilusão, refiro-me ao fato de se comemorar o Natal como se ele fosse também a data de nascimento de Jesus Cristo. Quando ele nasceu "... havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam, durante as vigílias da noite, o seu rebanho." (Lucas 2:8). Isto jamais poderia ter acontecido na Judéia durante o mês de dezembro: os pastores tiravam seus rebanhos dos campos em meados de outubro e [ainda mais à noite] os abrigavam para protegê-los do inverno que se aproximava, tempo frio e de muitas chuvas (Adam Clark Commentary, vol. 5, página 370). A Bíblia mesmo prova, em Cant 2:1 e Esd 10:9,13, que o inverno era época de chuvas [e chuvas muito frias], o que tornava impossível a permanência dos pastores com seus rebanhos durante as frígidas noite, no campo. É também muito pouco provável que um recenseamento (Lucas 2:1) fosse convocado para a época de chuvas e frio, que atrapalharia a viagem das pessoas para se alistarem nas cidades de suas famílias originais.

The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge (A Nova Enciclopédia de Conhecimento Religioso, de Schaff-Herzog) explica claramente em seu artigo sobre o Natal: "Não se pode determinar com precisão até que ponto a data desta festividade teve origem na pagã Brumália (25 de dezembro), que seguia a Saturnália (17 a 24 de dezembro) e comemorava o nascimento do deus sol, no dia mais curto do ano. As festividades pagãs de Saturnália e Brumália estavam demasiadamente arraigadas nos costumes populares para serem suprimidos pela influência cristã. 

Essas festas agradavam tanto que os cristãos viram com simpatia uma razão para continuar celebrando-as sem maiores mudanças no espírito e na forma de sua observância... Recordemos que o mundo romano havia sido pagão. Antes do século 4° os cristãos eram poucos, embora estivessem aumentando em número, e eram perseguidos pelo governo e pelos pagãos. Porém, com a vinda do imperador Constantino (no século 4°) que se declarou cristão, elevando o cristianismo a um nível de igualdade com o paganismo, o mundo romano começou a aceitar este cristianismo popularizado e os novos adeptos somaram a centenas de milhares. Tenhamos em conta que esta gente havia sido educada nos costumes pagãos, sendo o principal aquela festa idólatra de 25 de dezembro. Era uma festa de alegria [carnal] muito especial. Agradava ao povo! Não queriam suprimi-la."

O artigo já citado da The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge revela como Constantino e a influência do maniqueísmo (que identificava o Filho de Deus com o sol) levaram aqueles pagãos do século 4° (que tinham se "convertido em massa" ao "cristianismo") a adaptarem a sua festa do dia 25 de dezembro (dia do nascimento do deus sol), dando-lhe o título de dia do natal do Filho de Deus.

Assim foi como o Natal se introduziu em nosso mundo ocidental! Ainda que tenha outro nome, continua sendo, em espírito, a festa pagã de culto ao sol. Apenas mudou o nome. Parece incrível, mas a escolha da data não tem nada a ver com o nascimento de Jesus. Os romanos aproveitaram uma importante festa pagã realizada por volta do dia 25 de dezembro e "cristianizaram" a data, comemorando o nascimento de Jesus pela primeira vez no ano 354. Aquela festa pagã, chamada de Natalis Solis Invicti ("nascimento do sol invencível"), era uma homenagem ao deus persa Mitra, popular em Roma. As comemorações aconteciam durante o solstício de inverno, o dia mais curto do ano.

Como se vê das informações acima, de lavra dos pesquisadores Hélio de Menezes Silva e Luís Pellegrini, é também ilusão comemorar o nascimento de Jesus Cristo em 25 de dezembro, sendo certo que essa ilusão está a serviço da manutenção e propagação da fé no Cristianismo.

Com efeito, já que não sou religioso e tampouco acredito em Noel ou em qualquer figura mítica, o coerente seria a não comemoração do Natal por mim, mas como disse na abertura deste texto o comemoro desde sempre e continuarei comemorando. O faço porque, independentemente de ser pagã ou religiosa, a festa de Natal é um momento especial onde reunimos a família e amigos, colocando de lado diferenças, num exercício de tolerância e amor, no qual podemos reedificar relações e melhorar nossas próprias vidas.

Portanto, para mim o Natal é reencontro e amor e esse de 2015 foi especial. Minha companheira, nosso filho e eu reunimos em nossa casa, meus irmãos, meus pais, amigos da família, primos e uma tia especial para minha esposa (infelizmente pela distância a ausência mais sentida foi das irmãs e irmão de minha companheira, que moram em outro estado, os quais quero ver ainda essa ano). Que seja sempre assim...

Feliz Natal e ano novo repleto de alegrias. Que a solidariedade e amor estejam com todos. Que a humanidade supere esse sistema de desigualdade e exploração que nos oprime.

Adriano Espíndola Cavalheiro é advogado militante e articulista da Agência de Notícias Alternativas. Preside a Comissão de Movimentos Sociais da OAB de Uberaba. Mantém o blog Defesa do Trabalhador - (blog integrante da rede ANOTA)
Contato: adv.cavalheiro@terra.com.br

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