por Almir Cezar, da Sucursal Brasília
editor de Economia da ANOTA
Mudando de um pouco dos assuntos econômicos, pesquisando meio que por acaso, descobri sobre Manuel Querino - baiano, negro, veterano da Guerra do Paraguai, abolicionista, intelectual, professor, jornalista, fundador do Partido Operário e da Liga Operária Baiana. E tem tudo a ver com a calendário, com o fim do mês de novembro.
Novembro é o mês que se celebra no Brasil o Dia da Consciência Negra (20 de novembro), dia de Zumbi dos Palmares, data de sua morte em 1695, em uma tocaia por tropas portuguesas e de mercenários bandeirantes às ordens da Coroa Portuguesa e dos senhores de engenho. A data é o momento para lembrar de se debater a questão do racismo e da desigualdade no Brasil, especialmente a racial, à medida que por séculos, negros, índios e seus descendentes foram vítimas da escravidão e do racismo legal. Motivo pelo que Zumbi e sua comunidade, ainda no tempo do Brasil colonial, lutaram e morreram, e até hoje inspiram vários ativistas.
O "20 de novembro" surgiu como reivindicação dos movimentos sociais, especialmente o movimento negro e de combate ao racismo. Serviu como um contraponto a institucionalização da data 13 de maio da promulgação da Abolição da Escravatura (1888), que acabou virando uma data de exaltação das ações das autoridades brasileiras brancas, especialmente à princesa regente Isabel. Uma manobra oficialista que procura esconder a Campanha Abolicionista de quase uma década e meia antes da lei, e que era liderada por importantes figuras principalmente negras, como José do Patrocínio, Luís Gama, e centenas de outras pessoas, negligenciadas pela "história oficial" ensinada nas escolas.
A data ainda serve para lembrar a luta de milhões de mulheres e homens anônimos que por séculos sofreram, mas também resistiram, a seu jeito, à escravidão, cujo grande símbolo foram os quilombos, cujo maior foi o de Palmares. Comemorado há mais de 30 anos por ativistas do movimento negro, o dia 20 de novembro foi incluído em 2003 no calendário escolar nacional. Mas somente em 2011 virou Lei (n°12.519), que instituiu oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Por extensão, o mês todo de novembro é alvo de celebração e debate.
Diante da importância da questão, a data é feriado em mais de mil cidades brasileiras e vários estados esta data. Infelizmente, ainda não é feriado nacional, nem no Distrito Federal. Para piorar, seguindo essa prática, a administração de vários órgãos públicos federais não costuma organizar nada nem mesmo internalmente para celebrar a data e/ou debater os temas que ela inspira.
A negligência aos negros e negras não se resume a não celebração da data. Apesar dos esforços, de vários servidores públicos e das entidades do movimento sindical e popular, a desigualdade social de fundo racial é uma questão pouco tratada ou levada em conta nas elaboração e implantação das políticas públicas pelo país à fora. E inclusive inúmeras iniciativas públicas são sucessivamente barradas ou mofam nas gavetas dos gabinetes das autoridades após e apesar de serem anunciadas com pompa e festa.
Vê-se isso na regularização de terreiros de candomblé, umbanda e credos afro-brasileiros; na criação de coordenadorias e similares da questão racial; na política nacional de saúde pública para doenças típicas de negros ou mais incidência nessa parcela população; rito moroso para demarcação de terras quilombolas, etc; apuração de casos de racismo e de violência policial contra negros; a adoção de contas raciais e sociais em concursos e seleções públicas, etc e etc. E mesmo Zumbi dos Palmares, após ser votado pelo Congresso Nacional, para se inscrito como herói nacional no Panteão da Pátria, aguardou anos e anos para ter seu nome registro no "livro de aço".
Similarmente, ocorre ao longo do tempo, uma invisibilidade da presença intelectual de negras e negros, tanto de seus pensadores, lideranças, heróis. Manuel Raimundo Querino (1851- 1923) é uma dessas vítimas. Estou impressionado: não o conhecia. Parece-me que foi uma daquelas figuras centrais, espalhadas pelo país, na luta no começo do século XX contra o racismo do ponto de vista de uma leitura sociológica e antropológica da participação dos negros e africanos à cultura e sociedade brasileira.
Um período, que recém-abolida à escravidão, o pensamento hegemônico, mesmo na Academia, tentou "esconder", ou mesmo demonizar, de todas as formas, e por todos os argumentos, os negros e sua contribuição ao Brasil. Aproveitando-se de um ambiente em que se manteve o racismo cultural, do latifúndio agroexportador, da imigração de europeus e da ausência de políticas públicas de reparação aos ex-escravos. Anos de perseguição ao Candomblé, à Umbanda, à capoeira, ao samba, etc.
Era a época das teses racialistas, e da inferioridade racial dos povos mestiços, da herança africana e da civilização nos trópicos. Pensamento que será parcialmente derrotado apenas a partir da década de 1930 com reviravoltas artísticas e intelectuais, cujos expoentes no pensamento social, como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, provavelmente tomaram como ponto de partida, a contribuição de hoje desconhecidos como Manuel Querino, ou que tiveram folego, a partir dos anos anteriores de resistência de intelectuais como ele.
Um período, que recém-abolida à escravidão, o pensamento hegemônico, mesmo na Academia, tentou "esconder", ou mesmo demonizar, de todas as formas, e por todos os argumentos, os negros e sua contribuição ao Brasil. Aproveitando-se de um ambiente em que se manteve o racismo cultural, do latifúndio agroexportador, da imigração de europeus e da ausência de políticas públicas de reparação aos ex-escravos. Anos de perseguição ao Candomblé, à Umbanda, à capoeira, ao samba, etc.
Era a época das teses racialistas, e da inferioridade racial dos povos mestiços, da herança africana e da civilização nos trópicos. Pensamento que será parcialmente derrotado apenas a partir da década de 1930 com reviravoltas artísticas e intelectuais, cujos expoentes no pensamento social, como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, provavelmente tomaram como ponto de partida, a contribuição de hoje desconhecidos como Manuel Querino, ou que tiveram folego, a partir dos anos anteriores de resistência de intelectuais como ele.
Curiosamente, muitos o conhecem apenas por ter servido de inspiração ao personagem do livro de Jorge Amado "Tenda dos Milagres". Vale lembrar aliás que, os primeiros livros de Jorge Amado são repletos de citações marxistas ou mesmo comunistas (foi durante muitos anos um militante do Partidão, porém, na metade da década de 1950 ele o abandona). Amado foi um daqueles que combinavam na sua arte, a luta política, o classismo, o antirracismo e o legado dos negros e negras.
A dica é que há um blog bem bacana dedicado ao Manuel Querino, o blog MRQuerino, mantido pela pesquisadora Sabrina Gledhill. Contém pesquisas e referências sobre Manuel e indicação de suas obras. Você pode conferir no endereço eletrônico: http://mrquerino.blogspot.com.br/.
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