quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Valeu, Zumbi! Apesar da negligencia de não ser feriado nacional, data à Consciência Negra é lembrada pelos movimentos sociais

por Almir Cezar, da Sucursal Brasília (DF)
Editor da ANotA e um brasileiro negro

No mês de novembro as brasileiras e os brasileiros, sejam negros ou não, celebram a memória do líder Zumbi e dos mártires do Quilombo dos Palmares, através da comemoração do 20 de novembro e do mês da Consciência Negra.  Diante da importância da questão, em muitas cidades e vários estados esta data chega a ser feriado. Infelizmente, esta data ainda não é feriado nacional, e em Brasília, capital da República, também não. Para piorar, seguindo essa prática, a administração pública pouco faz menção à data, não a aproveitando, nem que seja internalmente, para celebrar a data e/ou debater os temas que ela inspira. Apesar disso, os movimentos sindicais e populares não deixam passar a data em "branco" e o relembram com festa e/ou protestos.

O triste legado que é preciso ser enfrentado

Essa data, dia de morte de Zumbi, morto em 1696, em uma tocaia por tropas portuguesas e de bandeirantes mercenários às ordens da Coroa, é o momento para lembrar de debater a questão do racismo e da desigualdade no Brasil, especialmente a racial, à medida que por séculos, negros, índios e seus descendentes foram vítimas da escravidão e do racismo legal. Motivo pelo que Zumbi e sua comunidade, ainda no tempo do Brasil colonial, lutaram e morreram, e até hoje inspiram vários ativistas.


Passados 126 anos da abolição formal da escravatura (em 1888), seu triste legado persiste através da desigualdade sócio-econômica dos não-brancos, do preconceito racial e do desprezo à herança cultural negra e indígena. Vale lembrar que, no campo a população negra e afrodescendente, no passado privada legalmente da propriedade de terra e acesso à créditos, hoje são maioria dos sem-terras (60%), dos posseiros (73%) e dos boias-frias (68%), principais vítimas do trabalho análogo à escravidão e são 70% dos pobres (no campo chega a mais de 80%), quase 70% dos moradores de assentamentos precários (favelas, cortiços, etc), mais de 67% dos trabalhadores terceirizados e em relações de trabalho precárias, mais de 70% dos desempregados, mais de 60 % dos analfabetos.

Vítimas esmagadoras da violência nas favelas e periferias perpetrada pela polícia, milícias e tráfico (80% dos mortos de crimes violentos são jovens negros) e alvos de conflitos no campo devido a não demarcação de terras remanescente de quilombos e das comunidades tradicionais (comunidades rurais predominantemente negras, indígenas e/ou mestiças). Em vários municípios e estados centenas comunidades religiosas de matiz afrobrasileira são alvos de repressão, da burocracia ou da negligência, sem ter tratamento equivalente à comunidades religiosas católicas e protestantes.

Com sua história esquecida e em meio a invisibilidade social, negras e negros tem seus traços fisionômicos, hábitos e mesmo credos religiosos satanizados ou achincalhados todos os dias, nas igrejas, na mídia, na intelectualidade e nos centros de moda, nas ruas, nos locais de trabalhos. E ainda são foco dissimulado principal do assédio moral no trabalho, e quase que compulsoriamente obrigados a ocupar os postos de trabalho mais precários ou a ter que se sobre-esforçar para conquistar melhores empregos. 

O racismo assim presta-se a sua principal finalidade dividir a classe trabalhadora, que não se identifica como uma só, como também servir de instrumento e legitimidade de rebaixamento do salários de uma parcela do contingente de trabalhadores, aferindo assim maiores lucros aos empresários industriais, ruralistas e banqueiros (a dita "burguesia").

O 20 de novembro, Dia da Consciência Negra

Apesar disso, a herança negra seja nas artes, estética, culinária e religião, etc, segue fundamental no Brasil. Motivo de orgulho, em meio à um país que "todo dia" valoriza justamente o contrário, a herança branca e ser branco. Por isso, a ideia de se celebrar em uma data a consciência de ser negra e negro, tendo pele escura ou não.

O '20 de novembro' surge como reivindicação dos movimentos sociais, especialmente o movimento negro e de combate ao racismo. Serviu como um contraponto a institucionalização da data da promulgação da Abolição da Escravatura (13 de maio de 1888), que acabou virando uma data de exaltação das ações das autoridades brasileiras, especialmente à regente princesa Isabel. Em detrimento da campanha abolicionista de quase uma década e meia que antecedeu a lei, e que era liderada por importantes figuras, principalmente negras, como José do Patrocínio, Luís Gama e centenas de outras, negligenciadas pela "história oficial" ensinada nas escolas. 

A data ainda serve para lembrar a luta de milhões de mulheres e homens anônimos que por séculos sofreram, mas também resistiram, a seu jeito, à escravidão, cujo grande símbolo foram os quilombos, cujo maior foi o de Palmares. Comemorado há mais de 30 anos por ativistas do movimento negro, o dia 20 de novembro foi incluído em 2003 no calendário escolar nacional. Mas somente em 2011 virou Lei (n°12.519), que instituiu oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Por extensão, o mês todo de novembro é alvo de celebração e debate.

Pouco ou até nenhuma menção a data

Diante da importância da questão, a data é feriado em mais de mil cidades brasileiras e vários estados esta data. Infelizmente, ainda não é feriado nacional, nem no Distrito Federal. Para piorar, seguindo essa prática, a administração de vários órgãos públicos federais não costuma organizar nada nem mesmo internalmente para celebrar a data e/ou debater os temas que ela inspira.

A negligência aos negros e negras não se resume a não celebração da data. Apesar dos esforços, de vários servidores e de entidades do movimento sindical e popular, a desigualdade social de fundo racial é uma questão pouco tratada ou levada em conta nas elaboração e implantação das políticas públicas pelo país à fora. E inclusive inúmeras iniciativas públicas são sucessivamente barradas ou mofam nas gavetas após serem anunciadas com pompa e festa. 

Vê-se isso na regularização de terreiros de candomblé, umbanda e credos afrobrasileiros; criação de coordenadorias e similares da questão racial; na política nacional de saúde pública para doenças típicas de negros ou mais incidência nessa parcela população; rito moroso para demarcação de terras quilombolas, etc; apuração de casos de racismo e de violência policial contra negros; a adoção de contas raciais e sociais em concursos e seleções públicas, etc e etc. 

E mesmo Zumbi dos Palmares, após ser votado pelo Congresso Nacional para se inscrito como herói nacional no Panteão da Pátria, aguardou anos e anos para ter seu nome registro no "livro de aço".

Dia de festa e de protesto

Por isso mesmo sindicatos, entidades estudantis, dos movimentos populares e de combate às opressões não podiam deixar essa data passar em "branco", à memória de Zumbi e do Quilombo dos Palmares e celebração à consciência negra.

A entidade do movimento negro Quilombo Raça e Classe divulgou agenda com as atividades, em vários estados brasileiros, neste mês de novembro, em que se comemora o dia. Entre elas está a 3ª Marcha da Nacional da Periferia contra o racismo, que tem como tema este ano "Pela destruição do racismo: basta de genocídio, violência, criminalização, opressão e exploração". O objetivo da marcha é levar às ruas a denúncia contra o racismo que mata e divide a classe trabalhadora e denunciar a situação de crescente extermínio da população negra, sobretudo de sua juventude e os ataques aos quilombolas.

Em Brasília, para celebrar a data e debate o tema, a Associação Nacional dos Servidores do Ministério do Desenvolvimento Agrário (ASSEMDA) está organizando uma festa no dia 28/11 (sexta-feira) a partir das 16h no térreo do Edifício Palácio do Desenvolvimento, Setor Bancário Norte, sede da maioria das secretarias do órgão, que também comemorará o aniversário de fundação da entidade, com comida, bebidas, show de banda e sorteio de brindes. No país do samba, a Associação ainda trará para animar a festa uma banda com o melhor canção popular negra brasileira.

Valeu, Zumbi!

Quatro representações de Zumbi e um de um quilombo:





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