quinta-feira, 24 de julho de 2014

Duas coisas são difíceis de definir: a morte e a Literatura


por Max Laureano, especial para a ANotA

   O que é "morrer"? Deixar de estar entre nós, seres vivos? Sair da lembrança, deixar de ser visto? Se é assim, Elvis não morreu, Shakespeare está ainda vivo!  Diariamente milhares de pessoas ouvem seus discos, livros e peças.

   E literatura? O que se lê, com algum interesse, o que se tem prazer ao ler? Então bulas de remédios e aquele livro do Machado de Assis que você foi obrigado a ler se enquadram em literatura e não literatura?

   Este mês foram embora deste livro que a gente chama de "vida" três pessoas que praticavam a Arte da Literatura. Estão mortos? Fisicamente, sim. Mas o que escreveram supera o simples conceito de morte física.

   Literatura é algo que se demora a fazer, arte que se aprende, aprimora-se com o tempo. É como ser pedreiro: a gente aprende a pôr o tijolo correto no local e tempo certos. A ter experiência e paciência, para a massa secar, a entender o que o chefe quer. E na literatura, assim como na marcenaria, se faz necessário criar calos, de tanto trabalho árduo.


   João Ubaldo Ribeiro era um excelente pedreiro calejado. Cada tijolo seu se encaixava perfeitamente. A casa, primorosa, rica em detalhes. Ele se permitiu criar uma "arquitetura literária baiana brasileira". Sua Itaparica é  tão baiana quanto brasileira. Seu lagarto sorri em dezenas de idiomas. O povo brasileiro, título e personagem, chora a perda do contador de causos. 

   Ser escritor,dos bons, é saber ouvir aqui aquela história, e repassar lá na frente, de forma mais rica. Um escritor que não sabe ouvir, pode fazer muitas coisas, exceto um bom livro. E Ariano Suassuna foi exatamente isso: soube colher a fala, as histórias contadas ao pé da fogueira e transformar em algo universal. Tchecov falava que se quisermos falar de um tema universal, devemos falar de nossa aldeia. A grande aldeia brasileira, seus cheiros, seus anti-heróis, seu sol e a forma de viver sobre ele; estão ali, na obra de Suassuna. Um Brasil em forma de Auto. Um Chicó que representa o que somos. Quer saber quem é o brasileiro? Vá de Auto da Compadecida.


   E chegamos a Rubens Alves, outra grande perda. E talvez você diga que ele não era escritor de sucesso, de literatura, como os outros dois. Eu lhe respondo com uma breve citação: nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança; tudo começa com um ato de amor. Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a semente do pensamento é o sonho. Por isso, os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos. Quer algo mais poético do que isso? Um educador escritor ou um escritor educador? Você escolhe, até porque ele era mestre em ambas as artes.

   Quando Saramago escreveu sobre a Morte, em seu último livro, não pensou que a conheceria de perto tão rapidamente. Confesso que chorei de tristeza, quando ele se foi. O que me consolou foi lembrar que o que foi embora foi somente o "miolo do livro". O conteúdo, a obra ficou para nossa apreciação. Aquele corpo cansado, maltratado pelo tempo, com dores, esse parou.

   A obra supera a morte do autor. A tristeza, a ausência do físico entre nós vão aos poucos sendo atenuados. Fica a grande literatura, seja lá a definição que melhor caiba para essa arte.

   Vita brevis, ars longa (A vida é curta, a arte é longa). Salve João Ubaldo Ribeiro! Salve Rubem Alves! Salve Ariano Suassuna!

Um comentário:

  1. E me disseram que se morre duas vezes: uma quando o corpo deixa de funcionar, e outra da última vez que alguém diz seu nome.
    Lindo texto.

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